Viajar é sempre muito bom. Pra longe, pra perto. Pra cidades grandes e pequenas. Pro mato e pras metrópoles. De carro, de ônibus, de avião, de trem. Só não sei de navio, porque nunca viajei. Nem posso, ia ficar mareado.
Tive de ir a Alvorada de Minas, umas duas semanas atrás. Alvorada de Minas?? Onde diabos é isso? Essa é a pergunta que todos me fazem. Alvorada de Minas é uma cidade minúscula, de uns 3 mil habitantes, pouco depois da Serra do Cipó e de Conceição do Mato Dentro, a uns 200 km de Belo Horizonte. Pertinho! Ônibus às segundas, quartas e sextas, uma vez por dia, que leva umas seis horas pra chegar, porque para em todos os lugares.
Até Conceição do Mato Dentro, de fato era pertinho, tudo era familiar. Passando por Lagoa Santa, pela área dos acampamentos mais populares da Serra do Cipó, por caminhos que 10 entre 10 belo-horizontinos conhecem. Conceição – forma abreviada que os mais íntimos com a cidade usam, inclusive a placa – também é um lugar familiar, e próximo. Estando lá, eu sabia ainda que estava nos arredores da metrópole mineira.
Paro num posto de gasolina em Conceição para comprar água e me informar sobre como chegar a Alvorada (já tenho intimidade também), pois nunca tinha nem ouvido falar desse lugar. O frentista me explica – tenho um pouco de dificuldade de compreender, é incrível como o sotaque pode mudar tanto num raio de 140 km – que basta seguir a própria rua do posto por um tempo e eu verei uma saída à direita. “Mas não entre nessa ainda”, ele se adianta, “tem outra mais à frente que só dá em Alvorada, é mais fácil”. Pelo que eu entendi, a primeira serve para ir a outros lugares e eu poderia me confundir. Tudo bem. “Essa estrada lateral é uma estradinha meio ruinzinha”, ele me adverte. Eu pergunto se lá é chão. Ele fala “não, imagine, aqui na frente mesmo já começa a estrada de terra!! Daqui pra Alvorada é tudo chão!”. Que ótimo, eu penso. Mas o Mille é um bravo.
A estrada de chão não chega a ser ruim, e logo à frente passa a primeira entrada à direita, que eu evito. Mas a outra demorou muito a chegar, e eu vejo três homens na beira da estrada, esperando não sei o quê. Acho melhor perguntar e paro. Aqui começo a sentir um certo choque. Eu sinto medo de parar! Passava um pouco das 10 da manhã, horário em que mesmo em BH não se sente (tanto) medo... mas nos habituamos a desconfiar de tudo e, sobretudo, de todos. Não abro muito o vidro e percebo que é um pai e dois filhos adolescentes. Pergunto como chegar a Alvorada, e ele confirma que a próxima entrada é a correta. Agradeço e prossigo, e eles ficam na poeira do meu rastro. Então, me dou conta de que o ambiente em que eu estou é completamente diverso do meu habitat natural. É um lugar basicamente rural, antigo, que ainda não sofreu as conseqüências da urbanização. Conceição estava na fronteira: principalmente os jovens se comportam como os de Belo Horizonte, pode-se notar que as regiões mais pobres se assemelham um pouco às periferias da região metropolitana. Mas, saindo da cidade em direção ao Serro, naquela estrada de terra, entrei no “Brasil profundo”, à parte de tudo o que se passa nas urbes.
Por mais que se leia sobre isso, é difícil não sentir um estranhamento ao entrar nesse ambiente. A coisa fica mais evidente quando saí dessa estrada “principal” e entre na estrada vicinal, cujo único objetivo é levar à esquecida Alvorada de Minas. Não se vê nada nem ninguém. Não há pessoas, carros, quase não há gado.
Uma bifurcação mais à frente me deixa em dúvida. Não há ninguém para me orientar. Espero um pouco, com o carro ligado, completamente sem saber o que fazer (“minha nossa, e se o carro estragar aqui??” foi um dos pensamentos aterrorizantes que me acometeu, passarinho fora da gaiola). Enquanto pensava, comia o que sobrou do meu Ruffles, e ao mesmo tempo achava engraçado o quanto aquelas pseudo-batatas artificiais destoavam da situação, bem como o celular inútil e sem sinal.
Lá embaixo, vi um cachorro. “Deve ter gente”, pensei. De fato, do meio do mato saiu um senhor e uma criança. Fui até eles, um sol forte de inverno dissipando o frio. Parei o carro próximo. Eles me olhavam desconfiados, e eu mais ainda. Afinal, eu estou treinado para esperar assaltos em Belo Horizonte, não posso evitar. O velho parecia muito decrépito, e ficou me olhando e investigando o interior do carro empoeirado com curiosidade. O menino olhava mais de longe, com uma cara mais desconfiada ainda. A situação me deixou tenso, o velhinho não falava direito, mas me respondeu o caminho correto.
Mais um pouco de chão e Alvorada aparece. Uma igreja no topo de um monte, com algumas casas ao redor, escondidas entre muito verde. Tão perto da metrópole, mas tão isolada. A capilarização da rede de ocupação do território, pensei.
Assim que entrei na cidade, todos olharam. Por um momento pensei que era porque o carro estava muito sujo de terra e poeira, mas depois lembrei que todos os carros chegam assim e o estranho era a minha própria presença. Eu tinha que procurar o cartório da cidade. Algumas mulheres estavam nas janelas conversando e eu parei para perguntar se tem cartório na cidade (deveria ter perguntando “onde é o cartório?”, não ficaria tão evidente que eu pensava que não tem nada lá), e a resposta foi “sim, fica na praça!”. Óbvio.
A praça é onde fica a igreja (!), mas não achei cartório nenhum. Ao me ver passando em baixa velocidade, com cara de interrogação, as pessoas que estão na rua perguntam, cordialmente, se eu procuro por algo. Por fim, encontrei uma casa trancada em cuja fachada tinha uma placa “Cartório de notas e registro civil”. Mas trancada! Desci, com minha contínua cara de interrogação. Nisso, um senhor sobe a rua e diz “a dona já vai te atender!”.
De fato, em seguida sai da casa ao lado uma senhora, com cara de dona-de-casa, que parecia que estava fazendo o almoço. O cartório funciona numa casa antiga, e ela acumula funções de dona-de-casa e tabeliã, ou como quer que se chame quem tem cartório. Eu, me sentindo em outro país, expliquei cuidadosamente o que eu queria – as regras de convivência podem ser bastante diferentes.
Ela disse que faria a certidão que eu queria, mas que era pra eu voltar daí a um pouco. Não sabia o que fazer naquela cidade, mas saí andando. Quando eu cheguei à cidade, tinha sentido angústia. Sempre que estou nessa situação fico me imaginando naquele contexto, como se eu tivesse sido forçado a viver ali pra sempre. E isso me causou extrema angústia. Aquele lugar isolado, em si mesmo, no meio do nada, rural, com pouca gente... me senti sem ar. Depois, percebi que praquelas pessoas que nasceram ali, estava tudo bem. É claro que a influência do mundo “exterior” se faz sentir pelos meios eletrônicos de comunicação – TV e rádio, é claro. Mesmo porque eu pude ouvir uma adolescente, enquanto limpava a casa, ouvindo uma das músicas americanas da moda, dessas que tocam na Jovem Pan. E isso era contrastante com o lugar. Não sei até que ponto, com o passar do tempo, o que vai mudar; afinal, essa característica rural parece sobreviver somente porque ainda há pessoas de outros tempos. Tenho a impressão de que quando essas pessoas morrerem e os jovens de hoje forem os adultos, o isolamento vai fazer cada vez menos diferença, talvez o asfalto chegue, a internet...
Mas por enquanto não era nada disso. Por enquanto, um homem perguntou ao outro na rua se ainda tinha boi para vender, e ele informa que não, chegou atrasado: ontem mesmo matou dois e já vendeu tudo. Que Orkut que nada.
3 comments:
Paulinho, boa a sua idéia de compartilhar os textos do blog. Mais um texto que nos faz viajar e compartilhar as lembranças.
Um beijo,
Edineusa (de Carpina, lembra?)
Tico,
viajar é preciso. Levar os amigos junto também. Depois escreve mais pra gente. Obrigado por ter contribuido para a página do blog. Abração do PH
Excelente o texto ,a idéia , a coisa toda.Me vi relembrando Viagem aos seios de Duília.
Convide esse moço de novo , sempre e uma vez mais pois , além de ser um grande contador de casos possui uma densa sensibilidade para a narrativa .Torcida para outras Alvoradas aparecerem.
Caio (por felicidade,amigo do Tico)
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