Thursday, July 26, 2007

"Pan, tam, por pan, tam"

“Pan, tam, por tam, pan”. A mídia pecadora e as representações do debate: pequenas provocações.


Não faz muito tempo, a escritora e filósofa Marilena Chauí, afirmou que não mais iria acompanhar as notícias veiculadas pela grande mídia. Alegou, salvo engano, que a informação é manipulada e não acrescida de um aprofundamento mais elaborado sobre os temas em pauta. Parece que ela tinha razão.

Estamos hoje, totalmente preenchidos de notícias sobre o maior acidente aéreo da história brasileira. O vôo da TAM, com os seus 199 mortos, a pista escorregadia do aeroporto de Conginhas, a descoberta da caixa preta, os relatos das famílias, o incêndio e as possíveis causas da pane. Muita informação.

Ao mesmo tempo, os informes sobre os Jogos Pan Americanos, realizados no Rio de Janeiro, chegam incessantemente ao nosso conhecimento de maneiras diversas. A contagem das medalhas, brigas ocorridas nos bastidores, especulação na venda dos ingressos para os jogos, os possíveis gastos a mais na construção da Vila Olímpica e, claro, as vais que o Presidente Lula recebeu na festa de abertura do evento. Muito se divulgou sobre o evento, pouco se discutiu. Ficou algo meio “tam, pan, por tam, pan”.

Estes dois fatos distintos ganharam a mídia pelo forte apelo popular que cada um deles despertou. A grande mídia não soube, no entanto, interpretá-los com maturidade. Faltou fomentar um debate mais elaborado sobre temas que certamente os dois eventos contemplariam: interesses econômicos, investimentos e distribuição de recursos públicos, sentimento de nacionalidade, críticas aos projetos das obras, assim como seus possíveis ganhos.
Manchetes com letras chamativas, estampadas esta semana em jornais, páginas internéticas e revistas senanais de notícias diziam que “Familiares das vítimas denunciam que os mais ricos e conhecidos são identificados primeiro”. A denúncia virou manchete, nada mais. Um tema para páginas e mais páginas de aprofundamento, discussão e cobrança em uma sociedade apartada como a nossa. Os meios de comunicação deixaram escapar esta possibilidade. A morte apareceu igualmente para todos, o reconhecimento dos corpos, não. A mídia apareceu igualmente para todos. Não houve reconhecimento individual. Vale citar duas exceções, o programa Observatório da Imprensa e o Jornal da Cultura, programas exibidos por emissoras públicas.

Também esperava, eu, pobre leitor, telespectador, ouvinte, que o trágico episódio resgatasse a memória coletiva reconstruindo o debate perdido sobre episódios anteriores com as mesmas características. Como andam as investigações, processos, indenizações, comportamento empresarial e o que mudou nas atitudes governamentais e privadas depois do acidente da GOL. Que outra aeronave caiu, há dez meses, todos nós sabemos. Talvez só os familiares das vítimas daquele vôo ainda discutam o tema, cobrem ações efetivas dos responsáveis. Faltou a continuação do debate público sobre algo que continua atual.

Outro pecado cometido pelos órgãos de imprensa na cobertura do vôo da TAM, foi dar voz a muitos sem estabelecer critérios para isto. Explicar quem são estas pessoas e que sentido tem veicular o discurso delas, foi algo que não apareceu. Confundiu ainda mais a opinião pública. Todo mundo falou: o diretor da ANAC, o Presidente da INFRAERO, comandantes das aeronaves, coordenadores do CONAR, tenentes do Corpo de Bombeiros, representante do Ministério Público, parlamentares, especialistas em aviação, o governo, a imprensa, os donos das companhias aéreas, os moradores de São Paulo, todo mundo falou. Só faltou a Marta, que relaxou e calou. Era uma das pessoas que deveria ser ouvida em relação ao episódio.

Não houve explicações mais detalhadas para quem acompanha as notícias, do que é a ANAC, as suas funções, os poderes que têm etc. E assim vieram o CONAR, a INFRAERO, o DAC e tantos outros. Não há debates mais elaborados sem esclarecimentos prévios do que seja cada órgão deste.

Com tantas vozes, tantas opiniões que duravam pouco mais de alguns minutos na mídia, é pouco provável que o consumidor (alguns chamam de cidadão) comum, saiba como funciona o sistema aéreo no País. Há um verdadeiro apagão: o de informações claras, precisas, amadurecidas. Todos já sabemos que houve um desastre, onde ocorreu, o número de mortos. O resto, como cobertura jornalística, foi um desastre. Vou ali comer um pão-de-queijo e discutir, tintin por tintin, com os colegas de quem é a culpa pelo acidente. Acho que é do governo. Depois falaremos do PAN, que só sabemos dos quadros de medalhas. Que vai dar Brasil, vai!

Tuesday, June 19, 2007

Dois gramas: ou o encontro de Vanderley com Lili

Ela, uma morena linda, estatura mediana, seios fartos, lábios carnudos, vinte e poucos anos. Chama-se Marli – Lili para os mais íntimos. Desde criança é míope e a beleza dos seus olhos castanhos claros não se perdeu atrás dos grandes óculos que usa atualmente. Trabalha como atendente em um grande laboratório de análises clínicas de Belo Horizonte. Solteira, cheia de pretendentes.
Ele, homem inteligente, estatura mediana, feições asiáticas, um pouco calvo. Parece ter uns quarenta e cinco, no máximo, cinqüenta anos. É petroleiro e sempre se veste formalmente quando não está em atividades profissionais. Divorciado, pai de três filhos e bastante religioso. Chama-se Vanderley, uma homenagem que os pais fizeram ao cantor Vanderley Cardoso, famoso até alguns anos atrás.
Van, como é conhecido pelos amigos mais íntimos, vai até o laboratório em que Lili trabalha. Precisa fazer um exame chamado de “Espermograma” – coleta de sêmen em um pequeno (não sei se é tão pequeno assim) recipiente de vidro para ser analisado pelo laboratório. Para isto, é necessário que ocorra o manuseio do órgão genital masculino pelo próprio paciente. Não vou dizer aqui que é a famosa “punheta”, “masturbação”, “bronha” etc, porque pode haver menores lendo o blog. O fato é que Van, como disse a nossa Ministra Marta Suplicy, deveria “relaxar e gozar”. Não nos aeroportos, mas na salinha de um laboratório por volta das 6:30h. Teria que trabalhar depois. Quem falou que vida de petroleiro é mole?

Lili – “Bom dia, senhor. Posso ajuda-lo?”.

Van – “Eh...sim...preciso fazer este exame. É a primeira vez que faço. Estou meio sem jeito, sabe?”.Rapidamente dá uma olhada nos seios de Lili e pensa: “não será tão difícil assim enfrentar este tipo de exame”.

Lili da uma olhadinha no pedido do médico e fala: “É, primeira vez é sempre assim mesmo. Já vi muitas pessoas com medo de enfrentar este procedimento quando ainda não o fizeram”. “O senhor nunca fez este tipo de exame antes?”, pergunta Lili com firmeza. “Tem certeza?”. Reforça a impostação da voz sem perder a delicadeza que lhe é peculiar. “É tão comum as pessoas fazerem este tipo de exame pelo menos uma vez no ano”, completou ela.

Van, meio sem jeito, se sentindo meio estranho por não ter se masturbado em laboratório pelo menos uma vez ao ano nas últimas décadas, responde:“sim, é a minha primeira vez em laboratório”. Abre um sorriso com ar de sedução para a jovem Lili e pensa: “acho que faz parte da estratégia de atendimento desta empresa apimentar um pouco o papo antes do exame”. Fica feliz com a possibilidade de se aproximar mais da agora atraente e sexy Lili.

Lili: - “Então, vamos?”. “Não se preocupe que eu conduzo tudo e o senhor pode relaxar que tudo dá certo”.

Van: - “Pode me chamar de você. Fica mais informal e vou perdendo o medo”. Agora Van sentia-se o verdadeiro garanhão mineiro. Iria comer quieto. Fantasiava o exame de diversas formas. “Será que ela vai demorar muito?”, “Existem outras atendentes de plantão?”, “Ah, vou contar tudo para os meus melhores amigos”, pensava o paciente nos pouco segundos em que se deslocava da sala de atendimento à estreita salinha de coleta de material.

Lili – “Está mais calmo, Vanderley?”. Sem querer, a doce Lili o chamou informalmente pelo nome. Nada de senhor, nome completo etc. Ela o chamou de Vanderley. Isto mesmo, Vanderley, com todas as letras. A boca carnuda de Lili havia falado: Vanderley. Era um convite ao sexo. Esperaria a hora certa.

Van: - “Pode me chamar de Van”. Lili o olhou com jeito esquisito.

Lili: - “Como é a sua primeira vez, vou usar esta borrachinha aqui para facilitar o “pega” do material”.

Van pensava então que Lili era mais libertina do que qualquer atendente que já conhecera. Borrachinha para pegar o material? Será técnica nova? Nunca ouviu falado nisto antes. Perdia o medo da primeira vez no laboratório para colher sêmen. Sempre ouvia comentários que havia revistas de sexo, fotos pornográfica, mas uma Lili diabólica, sexy e míope para facilitar a coleta do material era uma idéia pra lá de inovadora. Não faria objeções a tais novidades.

Lili continua: - “Se você sentir qualquer alteração mais significativa no seu corpo, pode me falar, estou aqui para isto mesmo.”. “Caso seja necessário, eu colho o material em uma cama específica para isto. Prefere a cama ou a cadeira?”.

Van estava ficando louco. Pensava em não ir trabalhar depois de todo o exame feito pois a produção de combustíveis não depende apenas dele, carros continuariam rodando. Convidaria Lili para almoçar e dependendo da qualidade do serviço realizado por ela, a pediria em namoro naquela mesma semana. “Ela me chamou de você pela segunda vez, acho que já viu as alterações significativas no meu corpo e me pede para falar sobre elas. Ainda me oferece a cama ou a cadeira como opções. Estou sonhando...”.

Lili, já perdendo um pouco a paciência pergunta: - “prefere a cama ou a cadeira?”.

Van¨- “A cadeira”, respondeu olhando-a firmemente . Não sabia se era a melhor escolha, mas optou pela cadeira.

Lili: - “Sei que você está meio apreensivo, mas é rapidinho”, explicou ela. “Se quiser colocar a cadeira mais pra frente, pode ficar à vontade”. Van não via o momento de tudo começar de fato. Cadeira, borracha, Lili e seus seios fartos, sua disposição de satisfazer o paciente. Ainda bem que tinha um bom plano de saúde. Não esperava que a ação fosse rapidinha. Daria trabalho a Lili.

Lili: - “Comeu algo antes de vir pra cá?”. “Bebeu ontem?”. “Teve relações sexuais nas últimas 24 horas?.

Van: - “Não, mas quero fazer tudo isto daqui a pouco. Comer bem, beber um bom vinho e sair com alguém especial como você”.

Lili sentiu-se meio sem jeito, mas gostou da “cantada” do Van. Disse a ele que não há coletas de sangue sem o jejum de algumas horas.

Van: - “O que? Coleta de sangue? Veja o que está escrito no pedido médico”.

Lili, um pouco apreensiva, ajeita os óculos, aproxima o papel com o pedido médico e lê “Espermograma”. Havia entendido “Hemograma”. Desculpa-se com o Sr. Vanderley e grita sem a menor cerimônia: “Luizão, traz as revistas que este paciente vai fazer aquele exame”. Completa: “É por ali, senhor, naquela sala. O nosso atendente o explicará os procedimentos. Sinta-se à vontade”.

Agradeço a Eliana, uma Consultora Empresarial que trabalha com treinamento profissional e imagem de empresas, por ter me contado o fio condutor deste fato. Fiz algumas alterações.

Para Rodrigo, que do seu esperma nasceu Catherine.

Friday, April 13, 2007

Aeroportos - crônica do Thiago Machado


Eu adoro aeroportos.
Também adoro estações rodoviárias (por mais estigmatizadas que sejam) e ferroviárias (por mais decadentes, no Brasil).
Quando eu era pequeno, e viajar de avião era uma coisa muito distante da minha realidade, a estação rodoviária representava a ligação com o mundo conhecido. Significava a porta de entrada para mundos distantes. Quando fui crescendo, comecei a me sentir fascinado por todos aqueles destinos luminosos expostos. Os mapas com toda a rede de determinada companhia de ônibus. Ver listados nomes tão distantes de Belo Horizonte como Ji-Paraná, Belém, Sinop, Mossoró, Juazeiro do Norte, Assunção. Aliás, a coisa que eu mais gosto é, na rodoviária, ir passando por todas as listas de destinos. Ver todos aqueles nomes de cidades e imaginar que dali se vai pra todos os lugares.
E, quando em outra cidade, ver as listas de destinos para outros lugares, então insuspeitados.
Aí mais tarde descobri os aeroportos. Quando eu era pequeno, morava perto do aeroporto da Pampulha. Andava de bicicleta na praça Bagatelle e às vezes brincávamos no saguão do aeroporto. Mas aquele lugar pra mim não tinha muito significado, e nós costumávamos ficar no terraço vendo os aviões pousarem e decolarem. E nos anos 80, meu pai nos levou a Confins para ver o grande aeroporto recém-inaugurado, e me lembro que foi um passeio incrível.
Mas, mais tarde, comecei também a ficar fascinado pelos grandes painéis de chegadas e partidas. Principalmente quando descobri os aeroportos verdadeiramente internacionais. E então, as listas de cidades de todo o mundo me hipnotizam. O mundo parece menor, quando se sabe que dali se vai para qualquer ponto do planeta.

Thursday, February 15, 2007

A insinuação da mídia e a desconfiguração do debate. Todos perdem.

Depois de semanas de exposição na mídia do chamado “crime da mega-sena”, que agora tornou-se mera estatística e perdeu o apelo popular, na última semana um crime bárbaro ocorreu no Rio de Janeiro e comoveu o Brasil inteiro pelos seus ingredientes de frieza e morbidez. Um garoto de sete anos chamado João Hélio fora arrastado por sete quilômetros preso ao carro de sua família após um assalto. A sociedade brasileira inquietou-se, transformou-se, tornou-se telespectadora de mais uma violência estampada nos jornais televisivos e impressos do País inteiro. Esta mesma sociedade mostrou-se solidária e esperançosa em ver futuramente a triste realidade nacional modificada.
A possível impunidade dos assassinos, presente em muitos momentos da nossa história (quem não lembra de pelo menos um caso?), foi o primeiro assunto veiculado pela mídia como necessário a ser debatido após o choque da morte do menino carioca. Alie-se a este ponto, o debate sobre a redução da maioridade penal.
João não pode ser apenas mais um número nas estatísticas da escalada da violência que assola o nosso país. Julgar os culpados mostra que a disposição pela luta não se extinguiu na nossa sociedade. Um alento em tempos tão sóbrios.
Para discutir o tema da impunidade e da presença da juventude em crimes bárbaros, parte significativa da imprensa desconsiderou neste episódio questões importantes e propícias para o debate coletivo mais aprofundado.
Um dos pecados da mídia nacional foi passar ao largo que o Estatuto da Criança e do Adolescente, o chamado ECA, foi um ganho social importante que impediu muitas vezes que diversos Joãos, Antonios, Willians, Marlis, Pedros e Marinas se tornassem números da perversa estatística de mortes infantis no Brasil. Sem o ECA, possíveis impunidades estariam colocadas a mais nos índices de violência do Brasil. Mortes, certamente ocorreriam.
O ECA foi citado e apresentado por diversos meios de comunicação no recente episodio, apenas como um instrumento capaz de livrar os jovens e crianças da punição mais severa pelos seus crimes ou desobediência as leis. O ECA é mais do que isto! Cumpre a imprensa o seu papel de incentivar a sociedade a unir-se em favor de uma ampla cobrança para que a impunidade não seja parte da nossa vida cotidiana.
Punição para os que não conseguem colocar em prática direitos como a liberdade de expressão para os adolescentes e zelar pela dignidade das crianças! Esta convocação seria uma auto-punição?
Os direitos das crianças e dos adolescentes, assim como os dos idosos, dos deficientes físicos, das mulheres, dos desempregados, dos gays e dos imigrantes não podem ser entendidos pela sociedade de forma fracionada, desdenhada. Assim, não estamos promovendo a discussão, o debate coletivo, mas promovendo mera insinuação de atos.
O que políticos, meios de comunicação e grupos organizados fizeram no caso do menino João Hélio foi banalizar a questão sobre se a sociedade “acha correto alguém cometer um crime e passar apenas três anos na prisão”. A resposta (assim como a pergunta) é óbvia.
Mas como mobilizar esta sociedade para que crimes (de maior ou menor comoção social) sejam sentenciados e realmente cumpridos? Como reverter um quadro de incontáveis sentenças judiciais nas quais penas de trinta, vinte ou dezoito anos se transformam em mera abstração da realidade e os condenados estão soltos? A divulgada e pouco discutida “sentença de três anos para os jovens infratores ou assassinos” nos assusta, não porque estamos falando de juventude, de violência, do caos urbano (e rural) ou da gritante e ainda mantida divisão social, mas porque não acreditamos na justiça como um todo. Preferimos acreditar que três anos de reclusão é pouco para um crime bárbaro. É pouco, claro.
Como pouco foi o nosso olhar crítico sobre o episódio do menino João, dos mortos da Candelária, dos jovens castrados no Maranhão, da irmã Stang, dos fiscais do trabalho em Unaí, dos que morreram à nossa volta aqui em BH, Ribeirão das Neves, Sabará ou Pedro Leopoldo. Ficamos mais informados, mais aterrorizados, nada mais que isto.
Incipiente é a contribuição que a imprensa e os meios de comunicação em geral (salvo raríssimas exceções) tem dado para que um debate mais apurado sobre a trágica realidade brasileira ocorra de fato. A briga pela audiência talvez não permita esta possibilidade. Diversos interesses estão postos. Os nossos, enquanto leitores, telespectadores, ouvintes e anunciantes, inclusive.
Que nossos jovens tenham direitos a atividades que os mantenham plenamente vivos, inseridos na dinâmica da cidade, que pode e deve ser acessível a todos.
É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor. Art. 18 do ECA. Cumpra-se!

Para William e Sãozinha, que acreditam na força juvenil sem alienar o debate sobre temas relevantes.

Monday, January 15, 2007

Gente e materialidade


Nas últimas semanas estive em sintonia com o meu passado e em devaneios com o meu presente. Um "que" de futuro se apresentou para mim depois de visitar Fortaleza, cidade na qual passei muitos anos da minha vida. Lá visitei pessoas queridas, revi meus colegas de bairro, presenciei conflitos familiares que se estabeleceram em diversos locais que visitei. Também tomei sol, bebi chopp e caipirinha, comi tapioca, cuscuz e caranguejo. Por certo participei da programação adulta que a capital cearense oferece. Me desvinculei totalmente das leituras e da escrita da tese por um tempo. Sei que pagarei um preço por isto, mas não sou de ferro.
Pois bem, queridos leitores (Arley, Thiago, vocês ainda estão aí?) nesta viagem que culminou com o batizado da minha sobrinha e agora também afilhada Gabriela, pude perceber as pequenas delicadezas e os improvisos que as relações cotidianas insinuam. Descreverei algumas neste texto e outras nas próximas crônicas.
Começarei falando das pequenas futilidades que insistem em ganhar dimensão maior nas nossas vidas e que não fazem sentido algum para outros: o meu irmão Antonio teve o seu celular afogado (isso mesmo, afogado) em um copo de suco pelo seu filho que tem apenas dois anos. Eu, assim que soube do ocorrido, perguntei logo como ele iria resolver o problema. Ouvi na lata a resposta: "Ôxe, eu acho é bom, assim ninguém fica me incomodando com ligações sem necessidade".
Eu, sujeito que não vive mais sem o tal aparelhinho ficava pensando na agenda telefônica cheia de telefones inúteis, na calculadora que nunca uso, na laterninha que não ilumina nada. Acho que o Tonho tá certo. Mais leveza nas interpretações do que é realmente importante nos deixaria menos tensos.
Depois encontrei com uma velha amiga chamada carinhosamente de Help. Era o dia do badalado sorteio acumulado da Mega-sena que pagaria algo em torno dos 50 milhões de reais. Passamos em uma casa lotérica e sugeri que fizéssemos uma aposta. A resposta? "Eu não, prefiro trabalhar. Se fosse um premio menor, daqueles que você ganha e compra uma casinha ou um carro, eu até topava". E continuamos a andar e relembrar antigas situações que vivenciamos juntos. Help não quer muito dinheiro, Tonho não quer celular. Aonde vamos parar?
Minha tia Beta pede a minha mãe para me dizer que desta vez ela não irá fazer um bolo que tanto gosto pois está adoentada. Em outra oportunidade esta mesma tia mandou o tal bolo para mim por meio de um amigo que veio me visitar aqui em BH. Verdadeira emoção com entrega em domicílio (via Gol transportes aéreos). Mais vale um bolo voando do que nenhum cozinhando. Alguém se preocupando com fazer bolo mesmo com a saúde debilitada? O mundo tá acabando, minha gente.
Pedrinho, outro antigo colega de bairro, perdeu a sua carteira de dinheiro pela enésima vez. Ao perceber que havia perdido mesmo, ouve de alguém que ele deve ligar imediatamente para a administradora do cartão e para o banco comunicando o fato. Os amigos riem e pergutam se há como bloquear o cartão telefônico pois Pedrinho não tem cartão de crédito nem conta bancária. Pedrinho existe. Não tomei sol demais nem bebi exageradamente.
Amanhã tem histórias de amor e de desencontros na terra de José de Alencar.

Para Tonho, que dirige não só ônibus, mas palavras de afeto e cordialidade aos que dele se aproximam.
Para Pedrinho, Neto e Roncalli, amigos de Tonho que tomo de empréstimo quando vou a Fortaleza.