Wednesday, March 21, 2012

Ei, vamos refletir?

Ei, vamos refletir?

“Ei” é uma expressão bastante comum no linguajar popular brasileiro. Quando queremos interagir com outras pessoas de modo mais informal, dispensamos as apresentações preliminares e vamos logo ao “Ei”, que muitas vezes vem acompanhado de uma pergunta. Um exemplo ilustra esta organização da comunicação que pressupõe intimidade com o outro e com o assunto do qual se fala. “Ei, você viu o acidente envolvendo o filho do grande empresário e a morte do ciclista?”.

O assunto tornou-se a informação relevante da semana. Comentários e opiniões gerados a partir deste fato ganharam o país via mensagens virtuais, reportagens exaustivas e repetitivas nas grandes redes de TV e rádio e um clima de perplexidade se apresentou no país do sentimentalismo efêmero e da contradição de classes; Depois de presenciarmos tragédias envolvendo Jet skis, trens, motos etc., agora chegou a vez de prestigiarmos um cenário também doloroso, mas que apresenta como personagem central “o filho do Homem” (É tempo de celebração do capital, digo, da Páscoa)”, carro de luxo (muito luxo, diga-se de passagem), bicicleta, morte, comoção e a banalização mais uma vez das transgressões das leis de trânsito.

Ei, que reflexões podemos fazer a partir deste episódio? Compartilho algumas.

A primeira reflexão é de como as redes virtuais e suas mensagens curtas e instantâneas dinamizam a formação de opiniões imediatistas e rasteiras sobre temas diversos, mas não ampliam de fato, o debate sobre leis, vida em sociedade, humanização das pessoas e trânsito. O acidente envolvendo o filho de um dos homens mais rico do planeta gerou muita mídia e pouca discussão.

Após o acidente que culminou com a morte do ciclista, o condutor do veículo envolvido neste episódio posta na sua página virtual criada para dar a sua versão do fato, que ele e sua mãe (o pai ganha ar secundário neste momento) estão rezando pelo bem da família do ciclista morto. A oração é sempre bem-vinda, mas deve vir acompanhada de ação, como bem pregava São Paulo. Uma ação simples, como não cometer infrações comuns no trânsito das grandes cidades e acumular muitos pontos na Carteira Nacional de Habilitação cairia bem junto às orações e a sociedade se sentiria mais segura com o pleno cumprimento das leis de trânsito.

Outra reflexão que podemos fazer é sobre as nossas necessidades afetivas e biológicas. No ímpeto da emoção, o jovem estudante que dirigia o carro fala que adoraria dar um abraço na tia do ciclista morto no acidente. Para uma sociedade que vive de abraços virtuais e efêmeros, parece que o rapaz encontrou um desejo preso em muitos de nós: a vontade de abraçar o outro. Claro que nem todos querem os nossos abraços. Na dor, em algumas situações, o abraço aparece como uma obrigação, uma formalidade, um “desencargo de consciência”. O abraço não seria o da paz, mas do conflito. Também poderíamos abraçar causas que nos possibilitassem interação maior com os outros. Estas causas são muitas.

Uma frase estampou quase todas as notícias sobre este acidente: “O coração do ciclista foi parar dentro do carro [envolvido na colisão]”. O coração arremessado para fora do corpo sinalizou a morte de mais uma vítima do ineficiente sistema de fiscalização e ordenação do trânsito nosso de cada dia. O Estado, com suas fissuras, se mantém vivo. Parece sem coração...

Ei, que reflexões podemos fazer para que de fato elas se transformem em ações? É preciso ouvir os nossos corações, antes que eles sejam arremessados e o sentido da vida se perca.