Thursday, February 15, 2007

A insinuação da mídia e a desconfiguração do debate. Todos perdem.

Depois de semanas de exposição na mídia do chamado “crime da mega-sena”, que agora tornou-se mera estatística e perdeu o apelo popular, na última semana um crime bárbaro ocorreu no Rio de Janeiro e comoveu o Brasil inteiro pelos seus ingredientes de frieza e morbidez. Um garoto de sete anos chamado João Hélio fora arrastado por sete quilômetros preso ao carro de sua família após um assalto. A sociedade brasileira inquietou-se, transformou-se, tornou-se telespectadora de mais uma violência estampada nos jornais televisivos e impressos do País inteiro. Esta mesma sociedade mostrou-se solidária e esperançosa em ver futuramente a triste realidade nacional modificada.
A possível impunidade dos assassinos, presente em muitos momentos da nossa história (quem não lembra de pelo menos um caso?), foi o primeiro assunto veiculado pela mídia como necessário a ser debatido após o choque da morte do menino carioca. Alie-se a este ponto, o debate sobre a redução da maioridade penal.
João não pode ser apenas mais um número nas estatísticas da escalada da violência que assola o nosso país. Julgar os culpados mostra que a disposição pela luta não se extinguiu na nossa sociedade. Um alento em tempos tão sóbrios.
Para discutir o tema da impunidade e da presença da juventude em crimes bárbaros, parte significativa da imprensa desconsiderou neste episódio questões importantes e propícias para o debate coletivo mais aprofundado.
Um dos pecados da mídia nacional foi passar ao largo que o Estatuto da Criança e do Adolescente, o chamado ECA, foi um ganho social importante que impediu muitas vezes que diversos Joãos, Antonios, Willians, Marlis, Pedros e Marinas se tornassem números da perversa estatística de mortes infantis no Brasil. Sem o ECA, possíveis impunidades estariam colocadas a mais nos índices de violência do Brasil. Mortes, certamente ocorreriam.
O ECA foi citado e apresentado por diversos meios de comunicação no recente episodio, apenas como um instrumento capaz de livrar os jovens e crianças da punição mais severa pelos seus crimes ou desobediência as leis. O ECA é mais do que isto! Cumpre a imprensa o seu papel de incentivar a sociedade a unir-se em favor de uma ampla cobrança para que a impunidade não seja parte da nossa vida cotidiana.
Punição para os que não conseguem colocar em prática direitos como a liberdade de expressão para os adolescentes e zelar pela dignidade das crianças! Esta convocação seria uma auto-punição?
Os direitos das crianças e dos adolescentes, assim como os dos idosos, dos deficientes físicos, das mulheres, dos desempregados, dos gays e dos imigrantes não podem ser entendidos pela sociedade de forma fracionada, desdenhada. Assim, não estamos promovendo a discussão, o debate coletivo, mas promovendo mera insinuação de atos.
O que políticos, meios de comunicação e grupos organizados fizeram no caso do menino João Hélio foi banalizar a questão sobre se a sociedade “acha correto alguém cometer um crime e passar apenas três anos na prisão”. A resposta (assim como a pergunta) é óbvia.
Mas como mobilizar esta sociedade para que crimes (de maior ou menor comoção social) sejam sentenciados e realmente cumpridos? Como reverter um quadro de incontáveis sentenças judiciais nas quais penas de trinta, vinte ou dezoito anos se transformam em mera abstração da realidade e os condenados estão soltos? A divulgada e pouco discutida “sentença de três anos para os jovens infratores ou assassinos” nos assusta, não porque estamos falando de juventude, de violência, do caos urbano (e rural) ou da gritante e ainda mantida divisão social, mas porque não acreditamos na justiça como um todo. Preferimos acreditar que três anos de reclusão é pouco para um crime bárbaro. É pouco, claro.
Como pouco foi o nosso olhar crítico sobre o episódio do menino João, dos mortos da Candelária, dos jovens castrados no Maranhão, da irmã Stang, dos fiscais do trabalho em Unaí, dos que morreram à nossa volta aqui em BH, Ribeirão das Neves, Sabará ou Pedro Leopoldo. Ficamos mais informados, mais aterrorizados, nada mais que isto.
Incipiente é a contribuição que a imprensa e os meios de comunicação em geral (salvo raríssimas exceções) tem dado para que um debate mais apurado sobre a trágica realidade brasileira ocorra de fato. A briga pela audiência talvez não permita esta possibilidade. Diversos interesses estão postos. Os nossos, enquanto leitores, telespectadores, ouvintes e anunciantes, inclusive.
Que nossos jovens tenham direitos a atividades que os mantenham plenamente vivos, inseridos na dinâmica da cidade, que pode e deve ser acessível a todos.
É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor. Art. 18 do ECA. Cumpra-se!

Para William e Sãozinha, que acreditam na força juvenil sem alienar o debate sobre temas relevantes.