Monday, December 29, 2008

Nós

Nós
Existem nós que nunca se desfazem.
Existem nós que na verdade não são nós, somos nós.
Os nós cegos. Para que enxergá-los?
Nós, nós, nós...
Eu, eu, eu....
Você: um só. Um nó.

Para os que insistem em valorizar o "nós".

Monday, November 10, 2008

Sanfonas, amizades e emoções.


Eram quase onze horas da noite do dia 3 de novembro passado. Ermenegildo (Mené) estava em uma pastelaria de Fortaleza (CE) comemorando pela enésima vez o aniversário de Fausto, que desde 2001 afirma ter 33 anos. Josimar, amigo dos dois personagens também estava lá.
O celular de Mené toca. Era o seu melhor amigo, Alceu (Cecêu), que mora atualmente em Brasília (DF).

- Mené, o meu avô morreu agora à noite.
- Que pena, Cecêu! De qualquer forma foi um alívio, né?
- É...Dois meses na UTI... Muito sofrimento....
- Mené continua saboreando o pastel de carne-de-sol que começara a comer antes da ligação telefônica, muda a expressão facial e emocionado comenta com os amigos a notícia que acabara de receber.
Fausto comenta: "Logo no dia do meu aniversário?”. “Não vou esquecer disto nunca". A conversa telefônica entre Cecêu e Bené continua:

- Queria te pedir um favor, Mené...
- Pode falar...
- Queria prestar uma última homenagem ao meu vô Chico. Tem como você conseguir um sanfoneiro para tocar "Asa Branca" no sepultamento que irá ocorrer amanhã às 17h naquele cemitério central? “Asa Branca” era a música que ele mais gostava e adorava tocar uma sanfona. Praticamente fui criado pelo meu avô.
- Clario que sim, Cecêu, Deixe comigo! (Mené diz sempre “sim”, mesmo que saiba antecipadamente que não vai cumprir nada daquilo que prometeu). O sim tem o significado de “pode ser”, “quem sabe”.
- Fausto fica um pouco aborrecido com a notícia da morte de outra pessoa na sua festa de aniversário, mas o refrigerante de 2 litros que estava à mesa faz com que os ânimos se acalmem. A comilança de pastéis continua, mas o assunto agora é o pedido feito por Cecêu. A mobilização para que o Vô Chico descansasse em paz ao som de Luiz Gonzaga se iniciava ali.
- "Sanfoneiro para tocar em cemitério? Que homenagem mais doida!", disse Josimar.
- "Deixa de ser insensível, homem. Só porque no seu velório não vai ninguém, você não pode desprezar os desejos dos outros!", provoca Fausto. Josimar sai do cenário e deseja boa-sorte aos demais.
Fausto comenta: "Tá vendo? Nem para arranjar um sanfoneiro a gente pode contar com ele. Depois vai querer homenagem quando morrer". “Só pensa nele, blá, blá, blá...”.
Antes de comer outro pastel, agora de camarão, Mené liga para outro amigo.
- Heitor, tudo bem? Preciso de um sanfoneiro para tocar em um velório amanhã. Você conhece algum?
- "Não!”. "E amanhã eu acordo às seis horas para trabalhar. É só isso?". “Você não tem outros amigos para ligar a esta hora?”. Nem a morte sensibiliza Heitor, pensou Mené.
Fausto, o aniversariante ferido pela notícia de morte do avô do outro, afirma: "pertinho lá de casa tem um rapaz que é sanfoneiro. Deixe que falo com ele amanhã". “Ele vai, com certeza!”.
Mené ri e vai para casa pensando que o dilema estava resolvido e que assim como o finado, poderia dormir em paz visto que o pedido de favor do amigo estava atendido. A peregrinação pela sanfona apenas começava....
(Continua em poucos dias)

Para D.Ângela e D. Adelina, que me fazem crer que saudades não mata ninguém.

Friday, September 19, 2008

Chutando



Estes dias estou pensativo, calado, repensando alguns percursos que fiz e outros que deixei de fazer. Entrei na Internet para ler algo no final da noite e um dos maiores sites de notícias do Brasil estampa em letras garafais que "Angélia bate e chuta em um saco de areia".


Pergunto: E o que eu tenho a ver com isto? Me surpreenderia se a manchete trouxesse em destaque que muitoas pessoas deixaram de levar chutes e pontapés no dia de hoje.


Continuo sendo sonhador. Continuo bobo. Continuo...




Para os meus ex-alunos da Faculdade de Ciências Humanan de Pedro Leopoldo (MG) que acreditam uns nos outros e chutam o pau da barraca quando as coisas não vão bem.




Tuesday, July 29, 2008

Pendências


Alguns amigos me criticam e dizem que eu sempre deixo pendências por resolver. Os amigos mais próximos quase me matam por eu sempre deixar, como eles mesmos dizem, "as coisas para depois". Detesto coisas instântaneas, prefiro sempre as que chegam depois.

Tenho pensado no assunto ultimamente e creio que estas pessoas que fazem parte da minha vida estão com a razão. Finalizar ações é algo que me custa muito. Um amigo me disse que eu tenho que ter atitudes e iniciativas. Na opinião dele eu "só" tenho atitudes. Não entendi nada do que ele quis dizer, mas fiz aquela cara de que vou mudar definitivamente em pouco tempo para fortalecer a boa amizade . Quero ter atitudes e iniciativas, assim me sentirei mais.. mais... sei lá o que.

Então comecei uma série de exercícios para finalizar este meu "ar" incloncusivo que incomoda tanto os meus amigos. Amigos nasceram para serm incomodados, senão não seriam amigos, não é mesmo?

A reflexão sobre pendência tem me acompanhado estes dias. Ontem fui ao Banco do Brasil fazer uma operação bancária posível apenas na agência onde mantenho minha conta. Ao chegar, peguei uma senha de atendimento que cntinha o meu número de atendimento, o nome de um funcionário que é "meu gerente de relacionamento" (peraí que eu vou dar uma risadinha crítica). Na senha de atendimento do banco havia a informação de que os guinchês disponíveis para o atendimento eram os de núm,eros 01 a 05. Só havia atendimento nos guinchês de números impares. Acho que não resolveram esta pendência no banco. "Querem enganar o consumidor", diria a minha tia Josélia.

Enquanto aguardava atendimento na agência bancária, contente por resolver mais uma questãopessoal e com isto deixar os meus amigos felizes, fiquei observando o movimento e a conversa da pessoas naquele momento. Na minha frente havia uma faixa celebrando os 200 anos de especulação (digo, criação) do BB. Na faixa, acredite, estava escrito "Happy Birthday"! Juro que sou míope, mas sei definir bem o que é língua portugues das demais. Olhei a faixa e pensei comigo: "não acredito". Não pensei masi nas minhas pendências, mas na dependência econ?ômica que de forma fanatasiosa aparecia naquela faixa. alguns aniversários não foram feitos para serem celebrados mesmo.

Entre uma pendência e outra, comunico aos milhares de leitores (Thiago, Lussandra e Arley, vocês valem por mil) que o meu período de vivência em BH está se esgotando. Falo sobre o assunto no próximo texto.

Moral da hitória: entre as pendências e a dependência, fico com a primeira, que pode significar ação. Sou um homem de atitudes e de amigos pacientes.

Tuesday, May 06, 2008

Travestis, travestido, mídia e cidade: algumas reflexões.



Domingo, 4 de maio de 2008. No final da noite, o maior canal de TV aberta do país exibe um programa de “variedades” com as principais notícias do Brasil e do Mundo. Temas requentados estão na ordem do dia e mais uma tragédia na região Norte do país surge como notícia instantânea, que pode esperar a sua vez de ganhar mais espaço. Quem sabe se a quantidade de vítimas fatais aumentar?
O grande momento do programa seria a entrevista (!?) “exclusiva” com um dos maiores jogadores de futebol do mundo, que falaria sobre o seu envolvimento com travestis em um episódio, no mínimo curioso, ocorrido na semana anterior á veiculação do programa televisivo.
Milhões de telespectadores estavam na expectativa de prestigiar o “momento especial” prometido pela emissora. A truncada discussão sobre algumas questões que envolvem direito, cidadania e leis estava posta. A qualidade da formação de alguns jornalistas, idem.
O entrevistado, travestido unicamente de Embaixador da Unicef, de atleta competente e de pessoa responsável, aparece como um menino que comeu mel pela primeira vez, e ao se lambuzar teve que dar satisfação à sociedade que instituiu que o mel – assim como leite, a cachaça, as drogas e a prostituição – não é para todos. Para os devassos, os irresponsáveis, os boêmios, os que sobram da sociedade moralista, a aventura de quebrar regras aparece como mais tentadora, possível de ser realizada.
Assim, para salvar o menino que supostamente sofreu chantagem, extorsão e foi “enganado” pelos devassos de plantão, era necessário dar nova roupagem ao fato, deixar a aparência falar mais alto do que a essência. O bem sempre vence o mal, diz a tradição.
A primeira idéia a ser posta em prática era deixar claro, através da grande mídia (sensacionalista ou não), que travestis são danosos à sociedade. Roubam, praticam chantagens, fazem sexo em troca de dinheiro e transformam as ruas em espaços tidos como imorais. Travestis não podem ser percebidos como gente comum.
Em contrapartida, era necessário mostrar que o Fenômeno não tem indício algum de lucidez quando não percebe que os territórios da prostituição no Rio de Janeiro, assim como nas grandes cidades, são demarcados, instituídos, apropriados. Os territórios demarcados são como prateleiras de supermercados: sabemos exatamente onde encontrar cada produto. Aqui, acolá, há alguma coisa fora da ordem, mas há uma organização formal que nos dá garantias de que encontraremos o que desejamos.
Na cidade encontramos ruas e locais que são predominantemente ocupados por travestis, outros por prostitutas, outros por garotos de programas. Em algumas cidades encontramos a chamada “Cracolândia”, referência a um dos usos que se faz deste local. O bom menino, que conhece bem a capital do Rio de Janeiro, queria contratar profissionais do sexo e o fez, sabia onde encontra-los. Diz que foi a maior besteira que fez na vida pessoal, o que não vem ao caso neste momento. As ruas são perigosas mesmo, pressupõem transgressões, usos e abusos.
Ronaldo travestiu-se de gente comum, que algumas vezes infringe as leis e afronta a sociedade carregada de moralismos e hipocrisias. Ronaldo anunciou um gol e não o concretizou de fato. Viu tudo como um erro e ao que parece, acertou em alguns pontos. Colocou a sociedade brasileira a pensar, mesmo que de forma caricatural e jocosa, que a prostituição ronda as ruas das metrópoles e isto é parte da dinâmica urbana, mesmo que as leis coloquem esta prática como crime. Existem leis que se transformam em abstrações, são teóricas mesmo, não “pegam”. Salvo um ou outro jornal, não foi visto nenhuma menção ao fato do jogador reconhecido internacionalmente ter cometido delito, previsto em lei. A ênfase midiática foi na “escolha” do jogador por travestis. As fantasias sexuais devem obediência às convenções sociais? Ronaldo responde que sim e anuncia que a chamada “pegação” de rua é perigosa. .
A prostituição de alto luxo é mais silenciosa, menos midiática, mais organizada e cara. Pena que alguns locais que fomentavam esta rede de contatos hoje estejam fechados. Ao Fenômeno restou a rua, onde quem reina é quem dela melhor se apropria. O barato saiu caro.
A cidade apedrejou o pobre (sentido figurado, diga-se de passagem) garoto que colocou em xeque valores morais, leis, desejos pessoais e, claro, o poder da imagem pessoal. Ronaldo quase anunciou que a sociedade precisa repensar os seus valores arcaicos em pleno Século XXI. Quem sabe a cidade não imita o travestido e o pede desculpas também?
A foto é de um site chamado Canoa das Meninas.

Tuesday, April 08, 2008

Respirando Mirtes

Ontem recebi o convite de um amigo para irmos assistir ao filme “A Culpa é do Fidel”, uma produção francesa que retrata com competência os conflitos de um casal, que envolvido na discussão política sobre o Chile na época de Salvador Allende, causa certo estranhamento no modo de perceber a política nos seus dois filhos, que são ainda crianças. O cenário onde ocorre a trama é Paris. O filme apresenta leveza e provocação na medida certa. Um bom programa.
Pois bem, quando estava prestes a sair de casa, entre fechar uma janela e escolher uma camisa apropriada para este dia de outono em Minas Gerais, vejo uma foto da Mirtes, uma das mulheres mais humanas que conheço. Na foto ela está ao lado da minha mãe em uma daquelas poses clássicas para fotos: estão abraçadas, sorrindo, no meio de uma sala de uma instituição onde são desenvolvidos trabalhos voluntários . Suspeito que as duas deram um retoque nos cabelos antes do famoso “click”. Estão lindas!
Saí para o cinema relembrando os muitos momentos em que Mirtes (durante algum tempo a chamávamos de “Mei Shu”, pois ela fazia parte da Igreja Messiânica) me ensinou a perceber que a vida é mais que mera adequação a um cotidiano estabelecido cheio de atividades por cumprir. Ela sempre afirmava que a vida é sinônimo de compromisso com os outros. Gostaria de fazer deste princípio uma prática mais real.
Esta mulher, que saía da lógica padronizada das futilidades de plantão, me convidava para ouvirmos juntos, em sua casa, música clássica e canções maravilhosas entoadas por Elis Regina, Gal, Milton Nascimento, Zizi Possi e tantos outros. Não, não era esta audição “em passant” que vemos hoje, onde as pessoas não têm mais paciência de ouvir a música até o final. Ouvíamos Caetano entoar “Odara, Odara” quantas vezes achássemos que fosse conveniente. Eu, assim como alguns outros amigos dela, partilhávamos a audição. Partilhávamos o coração. Partilhar é alma do compromisso com o outro.
Ao chegar ao cinema hoje à tarde, vi no mostruário de uma livraria o livro “Em algum lugar do passado”, obra que inspirou um filme que assisti com a Mirtes e que a música-tema me emociona como se a estivesse ouvindo pela primeira vez. Pedi ao vendedor para ver a obra em edição mais recente e um desapontamento instantâneo me tomou: o livro estava envolto em um pedaço de plástico, destes mais ordinários. A impressão que tive foi que aquilo não era livro, era canudinho de Mac Donald´s, cerveja quente, fósforo molhado, torneira vazando. Tudo, menos livro.
Na estante da casa da amiga que tenho muitas saudades os livros cheiravam a magia, a contato com a leitura, a simplicidade dos usos. Fernando Pessoa estava vizinho à Clarice Lispector, que ás vezes ficava quieta em frente ao Fernando Sabino, que um pouco cansado de tanto o importunarem, apoiava-se no velho Marx que insistia em dizer que não podemos esquecê-lo. Todos pareciam nos esperar. Todos, evidentemente, ao lado de bons vinhos. Nada de avisos como “Não toque!”, “Coloque o livro no lugar!” ou “Favor não tirar o plástico”. A estante da amizade tinha uma regra: livros são livros.
Na livraria, passo ainda os olhos por outros livros e vejo uma coletânea de textos sobre Edith Piaf. A foto da grande cantora estava estampada na capa. Aos que acreditam em “viagem fora do corpo”, posso assegurar que fui à Fortaleza, dei um beijo carinhoso na Mirtes e disse: “Obrigado por tudo!”.
Obrigado por me apresentar aos Movimentos Sociais quando eu ainda era um mero estudante de Sociologia; pelas inúmeras viagens a Aracati, Canoa Quebrada e Icapuí, quando eram lugares de representação menos turística do que os dias atuais; pelos milhares de “johreis”, que se não purificaram a minha alma, me ensinaram a parar um pouco no turbilhão da vida urbana; por me mostrar que além da industrial cultura massificante, havia outras opções de artes; por me deixar freqüentar o seu lar.
Obrigado por me fazer acreditar na absurda idéia de que os amigos, mesmo quietos, fisicamente distantes e sem uma comunicação mais freqüente, estão ao nosso lado, prontos, serenos, acolhedores.
Hoje estou respirando Mirtes. Hoje estou transpirando amizade. Hoje admiro Roberto Carlos.
#Na foto, Artur e Paloma, que eram crianças quando me tornei amigo de sua mãe.
(A foto é de Paloma, peguei no orkut e espero não chateá-la com isto)

Saturday, February 16, 2008

Lupa: outros olhares sobre os lugares por onde passamos.

Lussandra é uma dessas amigas que todos deveriam ter: é simpática, organizada, solidária nos momentos em que estamos passando por momentos ruins. Enfim, Lussandra é Lussandra.
É com esta amiga que tenho dialogado bastante nos últimos meses e hoje trabalhamos juntos em uma mesma faculdade. Com a nossa proximidade, inclusive a de moradia, eu e a minha amiga saímos para alguns locais de Belo Horizonte nestas férias. Resolvemos, então, deixar algumas impressões sobre os lugares pelos quais passamos. Ir além dos mesmos comentários que os jornalistas fazem quando vão a cinemas, padarias, teatros e praças. Resolvemos observar com mais profundidade os lugares que passamos. Acho que os leitores vão gostar da nossa proposta. Assim, comentamos agora algumas impressões que tivemos sobre o supermercado Extra-Belvedere, uma cafeteria chamada Sagrado e outra chamada Santa Sofia. Todos os estabelecimentos estão localizados na chamada “área nobre” de BH.
Era quase final de dezembro do ano passado. Havia um trabalho de campo por fazer com os alunos da faculdade e combinamos que o ônibus que nos levaria até a cidade de Ouro Preto ficaria estacionado no supermercado (hipermercado?) Extra-Belvedere. O horário de saída estava marcado para 7:30h. Ingenuamente, combinamos que tomaríamos um café ou faríamos um lanche no Extra que funciona 24h.
Surpresa geral: para chegar ao centro de compras, fizemos logo uma pequena caminhada, pois as esteiras rolantes não rolavam, estavam paradas, desligadas. Lusandra seguia no ritmo da lebre e eu no ritmo da tartaruga. Havia mais uma lebre conosco: o coordenador do curso que iria conosco para a atividade com os alunos. Lá estavam, então, duas lebres e uma tartaruga prontos para fazerem um lanche matinal antes de um dia de trabalho. Esteira rolante funcionando não havia.
Lussandra e o coordenador do curso sugeriram que eu utilizasse um dos carrinhos de compras projetados para pessoas com alguma mobilidade motora. Havia três disponíveis. Escolhi o mais novinho e me senti o Fernando Allonso do dia. Pensei em deixar as duas lebres no chinelo e pegar o meu café bem antes deles. Como sou criativo, ainda pensei em dizer: “hummmm, o café estava ótimo. Espero por vocês no caixa”. Liguei o carrinho de compras e nada aconteceu. Estava sem bateria porque não ligaram uma tomada na rede elétrica para colocar o carrinho para funcionar. Testamos os carrinhos 2 e 3 e nada. Que falta dois dedos e um pouco de iniciativa fazem. Ninguém do estabelecimento comercial teve a iniciativa de ligar uma tomada e deixar três carrinhos “especiais” prontos para o uso. Juntos, lebres e tartaruga olharam com estranheza para aquela situação. Ninguém percebeu que era necessário recarregar os tais carrinhos. A bateria da competência profissional falhou geral. Era muito cedo para travarmos aquele diálogo crítico com o responsável por aquela situação. Fomos em busca do café.
Ao partirmos para o nosso propósito, percebemos que ali não havia opção para este tipo de procura em uma manhã de sábado. Havia apenas uma lanchonete funcionando e só poderíamos pegar iogurtes, sucos ou pães nas prateleiras do próprio supermercado. Queríamos pão-de-queijo quentinho, café com leite, manteiga, torradas, chá e quem sabe, um pedaço de bolo. Erramos de lugar. Fizemos a nossa caminhada matinal, descemos de novo a esteira parada e os carrinhos de compras permaneciam lá sem carga alguma na sua bateria. Precisávamos de um lugar extra para tomarmos café.
O projeto LUPA teve as seguintes impressões durante a nossa passagem por lá: neste centro de compras a preocupação com a acessibilidade parece não funcionar em tempo integral; a lanchonete poderia ser que nem a girafa, olhar mais do alto e oferecer, além de refrigerantes, um café ou uma vitamina aos seus clientes no início da manhã.
Sobre as cafeterias que visitamos, falo no próximo texto. Este se estendeu mais do que planejado inicialmente.

Para Dona Ângela, que produz o melhor café que tomo aqui em BH.

Wednesday, February 06, 2008

AA, BB, CVV...


AA, BBB, CVV: a troca de letras da TV. A audiência sobe e a sociedade perde.


Em meados do mês de janeiro deste ano, a maior emissora de TV do País anunciava mais uma edição de um programa que se propõe a “vigiar” ou “monitorar” através de câmeras instaladas em uma confortável casa, a vida cotidiana(?) e fútil de diferentes pessoas que foram selecionadas por seus “talentos” e “qualidades”. Os dotes físicos, com certeza, são valorizados com bastante cuidado na escolha destes candidatos. A casa que não contempla a diversidade brasileira (não existem velhos, portadores de deficiência, obesos, estrangeiros etc.), é uma caricatura mal feita daquilo que entendo como programa de entretenimento. O programa agride aos que esperam da TV algo mais do que mera exibição de corpos e divulgação de produtos de consumo rápido os mais diversos. Saudades do Chacrinha!
Um prêmio sedutor em dinheiro para o ganhador do programa e uma série de patrocinadores que vão de um grande banco privado a uma das maiores fabricantes de automóveis do Brasil mostram o tamanho do investimento em um programa como este. Não há futilidades televisivas sem grandes patrocínios. Não haveria grandes empresas, incluindo-se aí bancos e montadoras de veículos, se houvesse clientela mais exigente, mais amadurecida, mesmo.
Uma curiosidade ainda me deixa inquieto neste início de BBB 8ª edição: a pouca discussão midiática sobre o tema. Na sua primeira versão, especialistas de diversas áreas escreveram sobre este tipo de programa e a discussão ganhou um aprofundamento maior. Talvez não tenhamos paciência, nem tempo, para dialogar sobre um mesmo tema por diversos anos. Também estamos acostumados a discutir os temas apenas na época em que eles estão em plena evidência. Creio que estou atrasado neste momento.
Pois bem, as letras que são bastante conhecidas e caracterizam e identificam o programa televisivo BBB são anunciadas, vendidas, patenteadas e mostram que o capital quando quer, pode apostar todo o seu potencial de investimento em algo que pressuponha lucro imediato e certo. Não é a toa que o mercado também vive de letrinhas: CDC, OP, BM&F, UFIR e outras.
Outras letras, porém, mostram que a sociedade poderia contemplar com mais profundidade outras propostas, mesmo que a mídia as deixem de fora do horário nobre. O BBB poderia ser momentaneamente esquecido e nos fazer refletir sobre outras abreviações de nomes que não viraram marketing instantâneo, mas tem uma história por contar, como o AA.
Ser um Ex-AA é mais do que sair da casa, é manter compromisso integral com os que partilharam de um mesmo dilema, às vezes, anos a fio. É mostrar que a entrada e a saída são ganhos. É ser reconhecido pelos fracassos e sucessos.
O AA faz também a sua seleção para o acolhimento dos pretendentes a entrarem na sua “casa” e divulgarem as suas histórias. É uma seleção amorosa, onde atributos como idade, aparência física ou situação econômica não tem importância alguma. O prêmio do AA é mais enigmático, sem tempo certo para ser entregue. O melhor de tudo é que ele é sempre partilhado. Diferente do BBB ode as brigas significam que “o jogo” está pegando fogo, as outras letras optam pela paz. Não sei se o AA tem patrocínio sequer para divulgar os seus serviços. Bancos, montadoras de automóveis, emissoras de TV e tantas outras empresas talvez não vejam em outras letras investimentos necessários. Falo de investimento financeiro, mesmo. O passo organizacional para o funcionamento da instituição que dialoga com pessoas que sofrem os problemas do alcoolismo está consolidado, mas poderia ir muito mais além.
A mídia, assim como as grandes empresas poderiam ainda ampliar a sua visão comercial divulgando e apoiando (quem sabe em horário nobre), além do BBB, o CVV. Um serviço de apoio a pessoas que buscam amparo emocional através de ligações telefônicas. A valorização da vida parece se perder quando um projeto como este necessita constantemente de voluntários para que possa funcionar plenamente. O CVV necessita mais do que voluntários, necessita de investimentos financeiros, de reconhecimento social mais amplo, de muitos telefones como os que as empresas disponibilizam para que os curiosos possam ouvir as “conversas” dos BBB que estão “confinados”. A TV confina a todos?
O maior faturamento do verão de uma emissora de TV e dos seus anunciantes se concentra em um programa que ganhou identidade com as suas letras e a sua futilidade característica. O maior ganho que a sociedade poderia ter neste momento, talvez fosse perceber que o alfabeto da cidadania e das escolhas midiáticas vai além de algumas letras. Podemos mudar de canal, podemos tomar atitudes, podemos pensar sobre o assunto. As grandes empresas idem. Daqui a pouco elas estarão também no “paredão” de uma sociedade que não se vê apenas no BBB, mas no MST, no GAPA, na CNBB, na OAB...
Para o leitor mais distraído, informo que a siglas AA e CVV representam respectivamente: Alcoólicos Anônimos e Centro de valorização da Vida. BBB todos sabem o que não significa.
Este texto foi publicado no site http://www.correiocidadania.com.br/ (cultura) em 06/02/2008. A imagem ao lado do texto é do site citado.