Moro em um pequeno prédio de um ainda pacato bairro de Belo Horizonte. Já vislumbramos uma quebra certa quebra neste ar bucólico com registros de assaltos, agressões e furtos de carros com mais frequência nos últimos anos. Sagrada Família é o nome do bairro e muitas ruas tem nomes de santos, como São Joaquim, São Lucas, São Roque e assim por dianta. O tom religioso está posto.
Então, para combinar o meu estilo pacato e certa santidade que me são próprios (escrevi esta frase apenas para provocar os amigos) optei por morar nesta região que traduz alguns costumes e atividades que parecem perdidos na trilha da chamada modernidade. Relações humanas cordiais, próximas e carinhosas ainda estão presentes com muita propriedade no cotidiano dos moradores do Sagrada Família.
Várias singularidades me chamam a atenção nas relações que as pessoas estabelecem no cotidiano deste bairro. Uma delas é a comunicação oral mais demorada, pausada, intensa. As pessoas conversam e vão além do simples "oi" ou de expressões corriqueiras como "com licença" e "Bom-dia" (que diga-se de passagem são extremamenmte importantes)". Basta dar uma volta no quarteirão e ver que as pessoas estão conversando. A internet parece não ter um peso tão forte aqui.
Da minha janela vejo os papos rolando diariamente. Parece que ninguém está atrasado ou cheio de tarefas por fazer. Esquisito, não? Aproxima-se das 14h e todos os dias um jovem grita: "Ô Rafael!!!" e o outro jovem sai da sua casa para conversarem na esquina a tarde toda com diversos outros colegas. São os guardiôes da rua.
Estes dias peguei um táxi para ir até uma agência dos correios. O carro leva exatamente 1min para chegar do ponto de atendimento até a minha casa. Mais rápido que a minha descida até a portaria. Os taxis pertencem a uma cooperativa de 30 condutores, todos nascidos e criados no bairro e o assunto das conversas sempre é o mesmo: a família que viu o bairro crescer, a praça que não existe mais, a mulher que vende empadas na esquina etc, etc. Se eu tivesse mais dinheiro só circularia de táxis com os motoristas da "Petrotaxi".
Como adoro conversas sobre mudanças no bairro e na cidade, vou logo começando o papo com a frase: "Você é morador do bairro?" (um condutor já havia me dito que todos eles são) e aí pronto, é só esperar a corrida terminar que até lá eles falam de família, do próprio carro, das ruas, das mulheres, futebol e deles mesmos.
Ontem quase perdi a paciência (ou o que me resta dela). Apressado para chegar ao correio, automaticamente falei a frase que inicia a minha conversa com os taxistas e o motorista falou tanto que diminiu a velocidade para terminar o assunto. Quando reforcei o pedido para acelerar um pouco, ele retrucou que "o correio não iria fechar naquele momento. Daria tempo demais para postar as minhas correspondências"."Pra que a pressa? Faz mal pra gente viver nesse corre-corre, finalizou". E tome papo. Desarmei o nevorsisimo.
Ao desembarcar ele percebeu que eu estava meio sem grana (sempre estou) e falou sem nenhum medo: "se tiver apertado me fala que passo depois na sua casa para pegar a grana". Agradeci a gentileza que nehum banco, financeira ou empresa de telefonia faz e optei por um desconto.
Este motorista morou 10 anos nos EUA, guarda a carteirinha internacional de motorista como um troféu e sempre que pego o seu táxi ele mostra o tal documento. "Nesta época ganhei muito dinheiro. Hoje já estou velho para estas aventuras", falou.
Informou que o bairro no qual moramos era uma grande fazenda e os lotes eram muito baratos, o que motivou que diversas famílias comprasem imóveis na área.
Em outros pequenos percursos de táxi outras histórias de vida e fatos comuns do dia-a-dia foram relatados. Volto ao assunto qualquer dia.
Para o Auro, sua sagrada família e Dona Joice, que gentilmente me apresentaram o bairro.
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