Tuesday, June 06, 2006




"Traga um copo d'água que eu tenho sede,

e esta sede pode me matar". Dominguinhos.

Falta copo no mercado?



Um dia comum. Uma cena comum. O episódio a ser narrado ocorre em um grande hospital especializado em reabilitação motora e neurológica. Pacientes de diversas idades e enfermidades inimagináveis estão lá. Vítimas de trombse, AVC, atropelamentos, quedas de escadas, paralisia cerebral, pólio, balas perdidas e uma série de outros entraves que impedem a plena locomoção motora fazem exercícios com frequência neste hospital.
Alguns pacientes estão lá há anos, conhecem cada ambiente, sabem quando fizeram a última reforma no prédio e com toda a autoridade que lhes é delegada, falam da vida dos outros, especialmente a dos funcionários que os atendem.
Outros enfermos passam não mais do que dois, três dias em tratamento fisioterápico. Jogador de futebol parece sofre menos do que os demais. Marcam presença e vão embora. Sequer gravam os nomes dos atendentes. Ah, jogador serve para outras coisas.
Pois bem, neste centro de especialidades médicas uma senhora velhinha, bem velhinha mesmo, destas que a gente imagina existir apenas no mundo da fantasia. Tinha cabelinho branco (branco mesmo, mais do que a pele da branca de neve), uma roupa bastante tradicional com cores variando entre o bege e o marrom, nenhuma maquiagem, um sapatinho fechado e não usava adereços como colares ou brincos.
A velhinha de traços meio destoados do apelo do mundo da vaidade e da moda tremia as mãos algumas vezes e aguardava o atendimento médico sentada em uma das cadeiras disponibilizadas para este fim. Não estava acompanhada naquele momento.
Enquato ela aguardava ser chamada o inesperado ocorreu: a mulher verbalizou que estava com sede. Isto mesmo, sede, daquelas que apenas as pessoas do sertão parecem sentir. E a nossa personagem falou quieta e timidamente para uma das atendentes: "estou com sede, quero um pouco de água". Parecia que ela tinha dito: "descobri a cura da Aids" ou "sou pedófila e adoro criancinhas". A atendente ficou branca, amarela, vermelha, azul, da cor que vocês imaginarem pois a paciente estava com sede e queria água. A mesma água que a velhinha das fábulas infantis pedia.
Um verdadeiro rebouliço se formou no hospital. A notícia correu rápido: "a mulher quer água". O bebedouro estava a pouco mais de 10 metros e alguém pedira água em um copo, desprezara a modernidade. Um fato inédito ocorrera. "Não tem copo", alguém falou. "Só tem água no bebedouro mesmo", outra pessoa comentou. "Veja se alguém tem um copo aí", sugeriu mais uma atendente. Creio que nem o leilão da Varig ou o julgamento da Suzane serão tão concorridos quanto foi a busca por um copo para servir um pouco de água a uma velhinha.
Céus e montanhas se moveram, mas a velhinha ficou sem saciar a sua sede. Só havia o bebedouro a pouco mais de 10 metros e uma cantina, onde a água é vendida, mas ninguém quis comprar o produto solicitado.
Quem se preocupa com uma velhinha que treme as mãos e sente falta de um copo d'água em uma manhã fria de BH? O que os leitores não devem saber é que o tal bebedouro citado quase sempre está danificado. Somos pacientes mesmo! Vou ali tomar uma água e volto depois para ler os comentários de vocês.

Para os Panicalis Souza de Oliveira que demonstram paciência ( e carinho, claro) o tempo todo comigo.

2 comments:

Anonymous said...

Digalá Paulo,

Acho que aceito ser seu empresário na publicação de suas crônicas, ok? hahaha

Abração,

Venilson Luciano

Anonymous said...

Grande Paulo, tudo bom?

Essa sua crônica me deu sede, hahahaha. Mas afinal, a velhinha conseguiu ou não beber a tal água?

Seus textos estão cada vez melhores. Parabéns!

Grande abraço,
Madson