“Ainda bem, que você vive comigo...” Vanessa da Matta avisa a Mené que Fausto está querendo falar com ele ao celular.
- Oi, Fausto. Tudo bem?
- Sim, mas não consegui encontrar o sanfoneiro que mora aqui pertinho da minha casa. Dizem que ele está fazendo shows pelo interior do estado. Agora não tem mais jeito. O negócio é ligar para o Cecêu e dizer que não vai dar mesmo.
- Nem pensar! Dei minha a minha palavra de que iria arranjar este sanfoneiro e não vou desistir.
- Se eu conseguir alguma coisa, volto a te ligar. Se não tiver nenhuma novidade, te encontro no cemitério mais tarde.
Mené levanta, toma café rapidamente e vai a lan house de Pedro, que fica ao lado da sua casa. Entra vagarosamente e ao ver o vizinho vai logo perguntando:
- Pedro, você conhece algum sanfoneiro?
- Vários! Acho que o Dominguinhos é o mais famoso de todos. Também gostava muito do Luiz Gonzaga. Este era bom demais. Quando tocava “Asa Branca” eu me emocionava. Mas porque a pergunta, Mené?
Mené passou cerca de um minuto sem fala e sem atitude. Exercitou a paciência em um tempo que parecia uma eternidade e didaticamente respondeu a Pedro:
- Pergunto se você conhece algum sanfoneiro que possa tocar uma música mais tarde em um evento. Sanfoneiro aqui do bairro ou da cidade.
Mené não queria dar mais detalhes e buscava encurtar a conversa. Pedro segue o diálogo: - Que evento? Quanto tempo? Conheço uns meninos ali...
- Um velório. Pronto, é um velório e é para tocar uma música apenas.
- Estás doido, Mené? Bebeu de novo? Dizem por aí que você não usa drogas. Tô te achando meio estranho...
Mené, que não perde a compostura com facilidade, lembra de Cecêu em Brasília e tem vontade de matá-lo por causa do pedido da homenagem póstuma ao avô. Olha firmemente para Pedro, fica calado e diz: - Então ligue para os tais meninos e veja se eles podem tocar “Asa Branca” no velório de hoje à tarde. Volto daqui a pouco para saber a resposta.
Em menos de dez minutos, Pedro anuncia a Mené que não deu certo “fechar o contrato” com ninguém e complementa: - Um dos meninos falou que só vai se for para tocar muitas músicas. E ele não vai sozinho, quer levar as bailarinas também. Promete que se fecharmos contrato com eles, pede para que elas ponham “uns panos a mais” nas roupas que vão usar.
Mené não sabe mais o que fazer, passa a pensar em suicídio e deixar um bilhete pedindo a Cecêu que providencie uma apresentação de “Dança do Ventre” para dinamizar o seu velório também. Volta para casa angustiado pois o tempo conspira contra a sanfona. Encontra a mãe e a irmã tomando café. Come mais um pedaço de tapioca e comenta com elas o seu dilema. A irmã é a primeira a falar:
- Não sei pra que tanto stress. Se não arranjar ninguém, a gente leva um aparelho de som, põe a música e tudo fica resolvido. É bom que “Asa Branca” foi gravada por muitos artistas. A gente pode fazer uma seleção bem legal e colocar um CD junto ao defunto.
Há um silêncio meio cômico, mas é necessário respeitar o sentimento de tristeza de Cecêu. A mãe de Mené também estava inspirada e diz:
- Meu filho, não se preocupe com isto. É só ver os classificados dos jornais que tem pessoas que fazem este tipo de apresentação. Vamos ligar?
Dona Ednira pega rapidamente o jornal e o telefone e liga para um grupo de artistas que anunciava este tipo de serviço no jornal. Enquanto ela liga, Mené amadurece a idéia de suicídio.
- Alô? Vocês tem sanfoneiro aí? Ah, tem? Que bom... preciso de um para tocar em um funeral hoje a tarde... Não, não é brincadeira, estou falando sério... Assim o senhor está me ofendendo...Não, não quero violino... É “Asa Branca”, o senhor não escutou direito?... Deveriam não anunciar serviços se não sabem atender bem. Até logo!
Dona Ednira fica quieta por alguns segundos, abre um sorriso tímido e diz:
- É meu filho, não deu certo. O homem riu muito e até debochou de mim. Tive vontade de rir também. Quem sabe se aceitássemos o violino. É lindo de morrer.
A irmã de Mené completa:
- Não sei porque não querem o CD. Não pode ser violão? Todo mundo sabe tocar violão. Tem que ser sanfona mesmo?Ô povo complicado. O homem já está morto. Mais vale a intenção...
Mené sente-se angustiado com o sentimento de que morreu na praia. Sequer liga para Cecêu para dizer que não pode atender ao seu pedido. “Sanfona”, “Sanfona”, “Sanfona”. Estas palavras não saem da sua cabeça. Resolve, então, ligar para a mãe do seu melhor amigo para confortá-la um pouco e dizer da intenção do seu filho em prestar uma homenagem ao pai dela. Ela agradece e diz que espera encontrá-lo no sepultamento do Vô Chico no final da tarde.
Ao cair da tarde chegava ao cemitério um pequeno grupo com uma sanfona, um triângulo e um pandeiro tocando “Asa Branca”. Ao lado dos músicos, um caixão com coroas e mensagens póstumas. Vô Chico seguia para a eternidade com um público bem numeroso. Uma multidão acompanhava a música, algumas pessoas dançavam, outras choravam, outras estranhavam tal atitude e Mené ficou surpreso ao ver tal movimento. Quem teria conseguido a homenagem ao Vô Chico que fora pedida a ele? Sentiu-se um inútil e martirizava-se por isto. Queria morrer também. Pouco tempo depois, a mãe de Cecêu revelaria o mistério:
- Meu filho, se você tivesse me ligado antes falando do desejo do Cecêu prestar a última homenagem ao meu pai, eu teria ligado logo para este pessoal que é quase da nossa família. Ainda bem que deu certo. Foi uma homenagem linda. Cecêu nunca vai esquecer que eu consegui os músicos para ele.
Ela deu uma olhadinha para Mené como quem diz: “Simplifica as coisas, meu filho. Simplifica”.
Para Majela e sua família de Itapajé/CE.
1 comment:
Paulo, assim como sua amizade o contato com os seus textos deveria ser diário. Sou eu quem peço para escrever mais, mais, e aparecer de vez em quando...
Vou ajeitar a vida e espero que Fortaleza e vc me espere numa visita
Um forte abraço
Arley
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