Lussandra é uma dessas amigas que todos deveriam ter: é simpática, organizada, solidária nos momentos em que estamos passando por momentos ruins. Enfim, Lussandra é Lussandra.
É com esta amiga que tenho dialogado bastante nos últimos meses e hoje trabalhamos juntos em uma mesma faculdade. Com a nossa proximidade, inclusive a de moradia, eu e a minha amiga saímos para alguns locais de Belo Horizonte nestas férias. Resolvemos, então, deixar algumas impressões sobre os lugares pelos quais passamos. Ir além dos mesmos comentários que os jornalistas fazem quando vão a cinemas, padarias, teatros e praças. Resolvemos observar com mais profundidade os lugares que passamos. Acho que os leitores vão gostar da nossa proposta. Assim, comentamos agora algumas impressões que tivemos sobre o supermercado Extra-Belvedere, uma cafeteria chamada Sagrado e outra chamada Santa Sofia. Todos os estabelecimentos estão localizados na chamada “área nobre” de BH.
Era quase final de dezembro do ano passado. Havia um trabalho de campo por fazer com os alunos da faculdade e combinamos que o ônibus que nos levaria até a cidade de Ouro Preto ficaria estacionado no supermercado (hipermercado?) Extra-Belvedere. O horário de saída estava marcado para 7:30h. Ingenuamente, combinamos que tomaríamos um café ou faríamos um lanche no Extra que funciona 24h.
Surpresa geral: para chegar ao centro de compras, fizemos logo uma pequena caminhada, pois as esteiras rolantes não rolavam, estavam paradas, desligadas. Lusandra seguia no ritmo da lebre e eu no ritmo da tartaruga. Havia mais uma lebre conosco: o coordenador do curso que iria conosco para a atividade com os alunos. Lá estavam, então, duas lebres e uma tartaruga prontos para fazerem um lanche matinal antes de um dia de trabalho. Esteira rolante funcionando não havia.
Lussandra e o coordenador do curso sugeriram que eu utilizasse um dos carrinhos de compras projetados para pessoas com alguma mobilidade motora. Havia três disponíveis. Escolhi o mais novinho e me senti o Fernando Allonso do dia. Pensei em deixar as duas lebres no chinelo e pegar o meu café bem antes deles. Como sou criativo, ainda pensei em dizer: “hummmm, o café estava ótimo. Espero por vocês no caixa”. Liguei o carrinho de compras e nada aconteceu. Estava sem bateria porque não ligaram uma tomada na rede elétrica para colocar o carrinho para funcionar. Testamos os carrinhos 2 e 3 e nada. Que falta dois dedos e um pouco de iniciativa fazem. Ninguém do estabelecimento comercial teve a iniciativa de ligar uma tomada e deixar três carrinhos “especiais” prontos para o uso. Juntos, lebres e tartaruga olharam com estranheza para aquela situação. Ninguém percebeu que era necessário recarregar os tais carrinhos. A bateria da competência profissional falhou geral. Era muito cedo para travarmos aquele diálogo crítico com o responsável por aquela situação. Fomos em busca do café.
Ao partirmos para o nosso propósito, percebemos que ali não havia opção para este tipo de procura em uma manhã de sábado. Havia apenas uma lanchonete funcionando e só poderíamos pegar iogurtes, sucos ou pães nas prateleiras do próprio supermercado. Queríamos pão-de-queijo quentinho, café com leite, manteiga, torradas, chá e quem sabe, um pedaço de bolo. Erramos de lugar. Fizemos a nossa caminhada matinal, descemos de novo a esteira parada e os carrinhos de compras permaneciam lá sem carga alguma na sua bateria. Precisávamos de um lugar extra para tomarmos café.
O projeto LUPA teve as seguintes impressões durante a nossa passagem por lá: neste centro de compras a preocupação com a acessibilidade parece não funcionar em tempo integral; a lanchonete poderia ser que nem a girafa, olhar mais do alto e oferecer, além de refrigerantes, um café ou uma vitamina aos seus clientes no início da manhã.
Sobre as cafeterias que visitamos, falo no próximo texto. Este se estendeu mais do que planejado inicialmente.
Para Dona Ângela, que produz o melhor café que tomo aqui em BH.
Espaço para escritos sobre as coisas miúdas do cotidiano. Aqui, ali, acolá temos surpresas na vivência diária e na observação do outro.
Saturday, February 16, 2008
Wednesday, February 06, 2008
AA, BB, CVV...
AA, BBB, CVV: a troca de letras da TV. A audiência sobe e a sociedade perde.
Em meados do mês de janeiro deste ano, a maior emissora de TV do País anunciava mais uma edição de um programa que se propõe a “vigiar” ou “monitorar” através de câmeras instaladas em uma confortável casa, a vida cotidiana(?) e fútil de diferentes pessoas que foram selecionadas por seus “talentos” e “qualidades”. Os dotes físicos, com certeza, são valorizados com bastante cuidado na escolha destes candidatos. A casa que não contempla a diversidade brasileira (não existem velhos, portadores de deficiência, obesos, estrangeiros etc.), é uma caricatura mal feita daquilo que entendo como programa de entretenimento. O programa agride aos que esperam da TV algo mais do que mera exibição de corpos e divulgação de produtos de consumo rápido os mais diversos. Saudades do Chacrinha!
Um prêmio sedutor em dinheiro para o ganhador do programa e uma série de patrocinadores que vão de um grande banco privado a uma das maiores fabricantes de automóveis do Brasil mostram o tamanho do investimento em um programa como este. Não há futilidades televisivas sem grandes patrocínios. Não haveria grandes empresas, incluindo-se aí bancos e montadoras de veículos, se houvesse clientela mais exigente, mais amadurecida, mesmo.
Uma curiosidade ainda me deixa inquieto neste início de BBB 8ª edição: a pouca discussão midiática sobre o tema. Na sua primeira versão, especialistas de diversas áreas escreveram sobre este tipo de programa e a discussão ganhou um aprofundamento maior. Talvez não tenhamos paciência, nem tempo, para dialogar sobre um mesmo tema por diversos anos. Também estamos acostumados a discutir os temas apenas na época em que eles estão em plena evidência. Creio que estou atrasado neste momento.
Pois bem, as letras que são bastante conhecidas e caracterizam e identificam o programa televisivo BBB são anunciadas, vendidas, patenteadas e mostram que o capital quando quer, pode apostar todo o seu potencial de investimento em algo que pressuponha lucro imediato e certo. Não é a toa que o mercado também vive de letrinhas: CDC, OP, BM&F, UFIR e outras.
Outras letras, porém, mostram que a sociedade poderia contemplar com mais profundidade outras propostas, mesmo que a mídia as deixem de fora do horário nobre. O BBB poderia ser momentaneamente esquecido e nos fazer refletir sobre outras abreviações de nomes que não viraram marketing instantâneo, mas tem uma história por contar, como o AA.
Ser um Ex-AA é mais do que sair da casa, é manter compromisso integral com os que partilharam de um mesmo dilema, às vezes, anos a fio. É mostrar que a entrada e a saída são ganhos. É ser reconhecido pelos fracassos e sucessos.
O AA faz também a sua seleção para o acolhimento dos pretendentes a entrarem na sua “casa” e divulgarem as suas histórias. É uma seleção amorosa, onde atributos como idade, aparência física ou situação econômica não tem importância alguma. O prêmio do AA é mais enigmático, sem tempo certo para ser entregue. O melhor de tudo é que ele é sempre partilhado. Diferente do BBB ode as brigas significam que “o jogo” está pegando fogo, as outras letras optam pela paz. Não sei se o AA tem patrocínio sequer para divulgar os seus serviços. Bancos, montadoras de automóveis, emissoras de TV e tantas outras empresas talvez não vejam em outras letras investimentos necessários. Falo de investimento financeiro, mesmo. O passo organizacional para o funcionamento da instituição que dialoga com pessoas que sofrem os problemas do alcoolismo está consolidado, mas poderia ir muito mais além.
A mídia, assim como as grandes empresas poderiam ainda ampliar a sua visão comercial divulgando e apoiando (quem sabe em horário nobre), além do BBB, o CVV. Um serviço de apoio a pessoas que buscam amparo emocional através de ligações telefônicas. A valorização da vida parece se perder quando um projeto como este necessita constantemente de voluntários para que possa funcionar plenamente. O CVV necessita mais do que voluntários, necessita de investimentos financeiros, de reconhecimento social mais amplo, de muitos telefones como os que as empresas disponibilizam para que os curiosos possam ouvir as “conversas” dos BBB que estão “confinados”. A TV confina a todos?
O maior faturamento do verão de uma emissora de TV e dos seus anunciantes se concentra em um programa que ganhou identidade com as suas letras e a sua futilidade característica. O maior ganho que a sociedade poderia ter neste momento, talvez fosse perceber que o alfabeto da cidadania e das escolhas midiáticas vai além de algumas letras. Podemos mudar de canal, podemos tomar atitudes, podemos pensar sobre o assunto. As grandes empresas idem. Daqui a pouco elas estarão também no “paredão” de uma sociedade que não se vê apenas no BBB, mas no MST, no GAPA, na CNBB, na OAB...
Para o leitor mais distraído, informo que a siglas AA e CVV representam respectivamente: Alcoólicos Anônimos e Centro de valorização da Vida. BBB todos sabem o que não significa.
Em meados do mês de janeiro deste ano, a maior emissora de TV do País anunciava mais uma edição de um programa que se propõe a “vigiar” ou “monitorar” através de câmeras instaladas em uma confortável casa, a vida cotidiana(?) e fútil de diferentes pessoas que foram selecionadas por seus “talentos” e “qualidades”. Os dotes físicos, com certeza, são valorizados com bastante cuidado na escolha destes candidatos. A casa que não contempla a diversidade brasileira (não existem velhos, portadores de deficiência, obesos, estrangeiros etc.), é uma caricatura mal feita daquilo que entendo como programa de entretenimento. O programa agride aos que esperam da TV algo mais do que mera exibição de corpos e divulgação de produtos de consumo rápido os mais diversos. Saudades do Chacrinha!
Um prêmio sedutor em dinheiro para o ganhador do programa e uma série de patrocinadores que vão de um grande banco privado a uma das maiores fabricantes de automóveis do Brasil mostram o tamanho do investimento em um programa como este. Não há futilidades televisivas sem grandes patrocínios. Não haveria grandes empresas, incluindo-se aí bancos e montadoras de veículos, se houvesse clientela mais exigente, mais amadurecida, mesmo.
Uma curiosidade ainda me deixa inquieto neste início de BBB 8ª edição: a pouca discussão midiática sobre o tema. Na sua primeira versão, especialistas de diversas áreas escreveram sobre este tipo de programa e a discussão ganhou um aprofundamento maior. Talvez não tenhamos paciência, nem tempo, para dialogar sobre um mesmo tema por diversos anos. Também estamos acostumados a discutir os temas apenas na época em que eles estão em plena evidência. Creio que estou atrasado neste momento.
Pois bem, as letras que são bastante conhecidas e caracterizam e identificam o programa televisivo BBB são anunciadas, vendidas, patenteadas e mostram que o capital quando quer, pode apostar todo o seu potencial de investimento em algo que pressuponha lucro imediato e certo. Não é a toa que o mercado também vive de letrinhas: CDC, OP, BM&F, UFIR e outras.
Outras letras, porém, mostram que a sociedade poderia contemplar com mais profundidade outras propostas, mesmo que a mídia as deixem de fora do horário nobre. O BBB poderia ser momentaneamente esquecido e nos fazer refletir sobre outras abreviações de nomes que não viraram marketing instantâneo, mas tem uma história por contar, como o AA.
Ser um Ex-AA é mais do que sair da casa, é manter compromisso integral com os que partilharam de um mesmo dilema, às vezes, anos a fio. É mostrar que a entrada e a saída são ganhos. É ser reconhecido pelos fracassos e sucessos.
O AA faz também a sua seleção para o acolhimento dos pretendentes a entrarem na sua “casa” e divulgarem as suas histórias. É uma seleção amorosa, onde atributos como idade, aparência física ou situação econômica não tem importância alguma. O prêmio do AA é mais enigmático, sem tempo certo para ser entregue. O melhor de tudo é que ele é sempre partilhado. Diferente do BBB ode as brigas significam que “o jogo” está pegando fogo, as outras letras optam pela paz. Não sei se o AA tem patrocínio sequer para divulgar os seus serviços. Bancos, montadoras de automóveis, emissoras de TV e tantas outras empresas talvez não vejam em outras letras investimentos necessários. Falo de investimento financeiro, mesmo. O passo organizacional para o funcionamento da instituição que dialoga com pessoas que sofrem os problemas do alcoolismo está consolidado, mas poderia ir muito mais além.
A mídia, assim como as grandes empresas poderiam ainda ampliar a sua visão comercial divulgando e apoiando (quem sabe em horário nobre), além do BBB, o CVV. Um serviço de apoio a pessoas que buscam amparo emocional através de ligações telefônicas. A valorização da vida parece se perder quando um projeto como este necessita constantemente de voluntários para que possa funcionar plenamente. O CVV necessita mais do que voluntários, necessita de investimentos financeiros, de reconhecimento social mais amplo, de muitos telefones como os que as empresas disponibilizam para que os curiosos possam ouvir as “conversas” dos BBB que estão “confinados”. A TV confina a todos?
O maior faturamento do verão de uma emissora de TV e dos seus anunciantes se concentra em um programa que ganhou identidade com as suas letras e a sua futilidade característica. O maior ganho que a sociedade poderia ter neste momento, talvez fosse perceber que o alfabeto da cidadania e das escolhas midiáticas vai além de algumas letras. Podemos mudar de canal, podemos tomar atitudes, podemos pensar sobre o assunto. As grandes empresas idem. Daqui a pouco elas estarão também no “paredão” de uma sociedade que não se vê apenas no BBB, mas no MST, no GAPA, na CNBB, na OAB...
Para o leitor mais distraído, informo que a siglas AA e CVV representam respectivamente: Alcoólicos Anônimos e Centro de valorização da Vida. BBB todos sabem o que não significa.
Este texto foi publicado no site http://www.correiocidadania.com.br/ (cultura) em 06/02/2008. A imagem ao lado do texto é do site citado.
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