Thursday, October 26, 2006

Proibições casuais


Nos pequenos percursos que faço durante o dia, tenho percebido que as proibições, tidas como parte da nossa vivência cotidiana, ganharam uma nova roupagem com os incessantes avisos de "não faça isto", "não faça aquilo". Parece que a sociedade não acredita mais na livre organização das pessoas para que não excedam os limites aceitos pelo grupo ao qual pertencem. Senão vejamos:

Um dos banheiros de um grande hospital de Belo Horizonte divulga através de diversos anúncios escritos que é "proibido lanchar" naquele local. Será que erraram o local de divulgação do aviso? Não sei. O certo é que no mesmo instante em que vi o tal anúncio peguei a minha barra de cereal que guardei da última viagem que fiz por aquela companhia aérea de baixo custo e a comi com aquele ar de quem "quebrou a regra estabelecida". Regrinha mais besta, sô. Banheiro por acaso é local de fazer lanche? Nem mesinha tem!

Ainda no mesmo banheiro há outro aviso que diz: "caros pacientes, usem bucha e sabonete no banho". Logo após há outro que indica que é favor "economizar água e ser rápido no banho". Confusão geral nas ordens. Como conciliar banho rápido com sabonete, bucha e economia de água? Novamente tive que ignorar os avisos.

Por falar em banheiro, as tradicionais instruções vistas em qualquer shopping ou escola de que "duas toalhas de papel bastam" para enxugar as mãos parecem motivar as pessoas a puxarem no mínimo, umas quatro delas. Contrariando o ditado popular, duas toalhas de papel parecem não serem suficientes para a secagem das mãos.

Vou seguindo no caminho para casa e o texto colado no vidro de um ônibus urbano avisa que "é proibido carona". Esta frase me chama a atenção e mostra um comportamento social presente no transporte público: a carona não autorizada, mas possível. Meia hora de percurso e percebemos que há várias viagens sem custos para diversos passageiros.

Chego na padaria e há um cartaz alertando para "não tocar nos pães". "Vixe, o mundo tá perdido mesmo", pensei. Com todos aqueles pegadores de alumínio disponíveis as pessoas querem tocar nos pães? O curioso desta advertência é que não há como "tocar" nos pães, pois há um vidro separando os consumidores dos produtos ofertados.

Vendo todos estes avisos e diversos outros que esqueci de citar aqui, penso que poderia haver proibições mais instituidas no nosso dia-a-dia. Cito algumas:

# É proibido àquela rede de telefonia fixa que insiste em ser má, ligar para vc nos horários mais inoportunos oferecendo promoções e produtos que no futuro só te dão aborrecimentos;

# Não será permitido a colagem de anúncios estabelecendo as regras sociais. O respeito ao outro falará sempre mais alto através da cordialidade, da responsabilidade e do bom senso coletivo;

# Está abolido a regra única boba para todos, como ser rápido ou não no banho. Salve-se a individualidade, muitas vezes boba também.

Para Marli e Sérgio, pessoas que não me proibem de conhecê-los um pouco mais.

Sunday, October 15, 2006

Pescaria: encantos e desencantos.

Pescar nunca foi uma das minhas atividades favoritas. Por um bom tempo morei em cidades em que esta atividade era parte do cotidiano das pessoas. Lembro que quando ainda era criança, via os pescadores organizando todo o material para mais um final de semana com amigos. Na minha mente ficou a idéia de que pescaria sempre ocorre em grupo. Não sei se esta conclusão pessoal está correta.
Pois bem, no último sábado, dia nublado aqui em Belo Horizonte, liguei para um colega para saber o que poderíamos fazer no feriado "imprenssado" e ele respondeu: "vamos a um pesque e pague no inerior?" "Você vai gostar", garantiu ele.
Eu que pensava em ir a cinemas, restaurantes, shoppings ou mesmo dormir o dia inteiro, aceitei a proposta. Já me imaginava um verdadeiro predador de peixes em plena Minas Gerais. Pouco mais de meia hora depois de ter falado com o meu colega, estávamos a camino do tal "pesque e pague". Este foi o primeiro momento divertido do dia: descobrir o caminbo que nos levava até o destino final. Luiz, o meu companheiro de pescaria, falava das pessoas que víamos ao longo do caminho, da paisagem que se apresentava na estrada, da importância da pescaria para ele etc. Segundo ele, pescar faz um bem danado, nos deixa mas tranquilos e é um divertimento barato. "A gente sái do stress", complementou ele.
Chegamos ao tal "pesque e pague". Lugar mais bucólico não tenho visto nos últimos anos. Patos, galinhas, um grande lago, diversas pessoas conversando e um pequeno bar e restaurante. Mas, é tem um mas, a dinâmica do funcionamento do lugar tomou jeito de negócio, de comércio. Disto eu não sabia.
Chegamos, pegamos cada um o seu material (vara, anzol, iscas, copos, isopor e cerveja). Perguntei ao Luiz cadê as minhocas e ele deu uma gargalhada. Respondeu que peixe hoje não come mais minhocas.
Levei um susto. Peixe não come mais minhocas? Galinha não come mais milho? Coelho não come mais cenoura? O mundo tá perdido mesmo. Luiz explica que os peixes agora comem ração, assim como os cachorros e gatos. Tem, segundo ele, uma ração especial que garante a pescaria: a de sabor de tutti-frutti. Achei que ele estava mentindo, mas era verdade. Iniciamos a pescaria.
Outro detalhe me chamou a atenção: os pescadores não seguram mais as suas respectivas varas, há uma pequena argola de ferro chamada "secretária" que faz esta função. As mãos dos pescadores agora só se ocupam dos copos de cerveja.
Pergunto se ali tem muitos peixes (vou deixar de perguntar tanta coisa) e o Luiz responde: "claro, os donos repõem o estoque de peixes todos os dias. Tá vendo aquele reservatorio ali? É o lugar onde ficam os peixes que vem pra cá depois". Me senti mais burro ainda. Pensei que havia um lugar para a pescaria e que a quantidade de peixes não era garantida pela reposição do dono.
Tomamos duas cervejas e nada de pegar nehum peixe. Puxávamos as varas e não havia mais isca alguma. Os peixes aprenderam a comer sem serem fisgados. São os peixes-políticos. Reclamei com o Luiz que não havia peixe e ele pediu calma. Disse para não me preocupar pois os peixes iriam aparecer. Caso o dono perceba que não há estoque suficiente de peixes, ele libera mais. No pesque e pague é assim, ninguém sai frustrado.
Mais uma cerveja e nada de peixe. Fui ficando sonolento e deixei a vara estendida na tal "secretária". Nem olhava mais se havioa isca, pois tinha certeza que os peixes havia comido tudo sem serem fisgados.
Um peixe politicamente correto movimentou a vara de pescar do Luiz. Fizemos festa. Um peixão de aproximadamente, um sapato tamanho 42. Achei muito pequeno e falei para jogarmos no lago de novo e pegarmos outro. Isto não é possível, se você pesca tem que comer ou levar para casa. Pedimos para assar o tal peixe tilápia tamanho pé 42 e a cozinheira nos oferece outro já disponível na cozinha. Aceitamos. A fome era grande.
A pescaria está encerrada. Falo que quero continuar mas o Luiz diz que não podemos ficar apenas nos divertindo. Se pegar um peixe não podemos devolvê-lo ao seu habitat natural. É necessário comprá-lo. Fiquei surpreso com tal conclusão. A partir daí o pesque e pague transformou-se apenas em um bar e resataurante. As nossas varas, as iscas e os anzóis parados. Vontade de desobedecer as ordens não me faltou. Aproveitei para descansar, conversar com o Luiz e ver os pescadores de ilusão contentes com as suas práticas orientadas e baseadas no consumo apenas. "Como pode um peixe vivo viver fora da água fria"? O verso da música traduz um pouco a lógica do capital. O mesmo capital que estimulou momentos de interação enter eu e o meu colega.
Não pesquei nenhum peixe. Acho que não sou pescador mesmo.
Luiz, este texto é dedicado a você, pescador de bons sentimentos.

Saturday, October 07, 2006

Costurando alienação: quando o novo não aparece

Uma figura emblemática, curiosa e bastante popular venceu as eleições no domingo passado no maior colégio eleitoral do país: Clodovil, o apresentador de tv e estilista teve quase 500.000 votos desbancando do pleito personagens antigos e experientes da cena política nacional. Até aqui nada de novo.
Clodovil, como todos sabem e é amplamente alardeado na imprensa nacional, não tem um projeto político definido para o seu mandato, diz não saber como funciona o esquema de trabalho do Congresso Nacional e alardeia que desconhece quanto vai ganhar entre salários e “extras” durante o período em que estiver à frente da atividade parlamentar.
Deve saber, no entanto, que esta não é uma função gratuita, voluntária. A sua farta conta bancária (segundo ele mesmo) ganha agora um reforço com alguns “trocados” a mais. Sabe também que o seu cargo permite empregar algumas pessoas de sua confiança. A abstração da realidade tem os seus limites, claro. É necessário respirarmos um pouco de realidade de vez em quando.
Este personagem, tido por alguns como enigmático, foi eleito por muitos milhares de eleitores paulistanos debochando da própria homossexualidade e da política nacional. Conseguiu com isto, reproduzir em cadeia nacional de rádio e tv através do horário político obrigatório, fragmentos de atitudes que fazem parte do nosso cotidiano. As piadas, mesmo as de gosto duvidoso, fazem parte da nossa história. Os debates mais densos sobre preconceito e as propostas políticas deste então candidato, ficaram sem importância naquele contexto. Respirar um pouco de alienação nos faz bem.
As "pérolas" (asneiras mesmo) proferidas pelo Clodovil antes e depois das eleições surtiram um efeito devastador na percepção coletiva do que seja uma eleição séria, amadurecida, com debates mais elaborados sobre o papel da política na sociedade atual. Certamente ele não está só neste esfacelamento da seriedade que um processo eleitoral possa promover. Nós, eleitores ou não, clamamos de certa forma pela morte da seriedade dos temas em época de campanha política. Clodovil saiu na frente.
Em seu programa eleitoral as pautas se inverteram e as que abordavam temas mais instigantes e sérios como corrupção e propostas de governo deram lugar ao tom caricato e visivelmente jocoso de quem tinha como proposta apenas eleger-se para depois descobrir as trilhas do poder. “Brasília não será a mesma depois de mim”, falava o então aspirante a um cargo político, o Clodovil. Creio que ele foi tímido na sua assertiva. Desconfio que a política nacional não será a mesma depois da sua eleição.
Clodovil, o agora deputado federal provoca risos e fúria. É capaz de dizer com todas as letras que corrupção não se estabelece com pouco dinheiro. É preciso, na visão dele, ter muito dinheiro para que corruptor e corrupto se entendam. Traduz com propriedade a demência preconceituosa estabelecida socialmente que reproduz que os que carecem de mais dinheiro ou os que não tem uma conta-corrente mais suntuosa são mais vulneráveis à sedução do capital, venha ele de onde vier. Clodovil pode errar nas suas opiniões, ninguém o leva a sério. Este é o perigo.
Cumpre registrar o mérito dele ter vencido o pleito através de um pequeno partido político. Alguém conhece o PTC?

Em www.estuariope.blogspot.com , do meu mano Samarone, há um texto pra lá de interessante sobre o período eleitoral.

Dedico este texto a Aninha (Piu), que assim como alguns políticos, some, desaparece.