Wednesday, May 24, 2006


Sobre aeronaves, aeroportos e claro, gente.

Quase cinco horas de uma destas madrugadas do mês de maio. Aeroporto de Brasília, capital do nosso país. Uma primeira cena me chamou a atenção: o tal aeroporto estava vazio. Lojas, cafés, pontos de taxi, livrarias, floricultura e banca de revistas fechados. As escadas rolantes estavam, pásmem, paradas (faz tempo que não vejo escadas rolantes paradas, quisá em aeroporto).
O elevador mais parecia um adereço de tão estático que estava, parecia pedir para que alguém o colocasse para entrar em atividade (o que fiz, certamente).
Não havia ninguém em nenhum local. Pensei que estava sonhando ou que havia bebido demais. Brincava com a imaginação e procurava alguém para conversar um pouco, paquerar, pedir informações. Estava difícil de conseguir o intento. Fui ao banheiro...muitos miquitórios, todas as portas dos sanitários abertos, difícil escolher em qual deles entrar. Um passante aqui, outro ali, nenhum passageiro a esperar o vôo. Nada!
Cadê o movimento de Brasília? A madrugada parecia acalmar os ânimos da metrópole associada ao poder político e econômico e mostrava no seu aeroporto, quietude, silêncio e uma certa tranquilidade. Cheguei cedo demais, pensei. Será que o mundo acabou e eu fiquei sozinho em um aeroprto? Cruzes!
Lentamente o terminal de pousos e decolagens do transporte aéreo vai "acordando". Chegam os primeiros funcionários das redes de fast food, cafeterias, do estacionamento e da mautenção/limpeza. O pessoal do atendimento das companhias aéreas ainda não havia "dado sinal de vida", como dizia a minha avó.
De repente, uma música ecoa por boa parte do aeroporto na voz de uma mulher. A voz é forte e a canção entoada com sonoridade. Há pequenas pausas para a declamação de pequenos trechos bíblicos ou orações tradicionais como o pai-nosso e a ave-maria. Isto parece anunciar que agora a cidade acorda, que em poucos minutos os "check-ins", "check-outs", "permissões para pousos e decolagens" e consumo, muito consumo tomarão conta do aeroporto.
Por enquanto, só orações e música . Tenho vontade de me aproximar da beata cantora da madrugada, mas fico apenas no olhar curioso de quem não entendeu o contexto da situação por completo. A explicação vem de um funcionário do estacionamento que acabara de chegar e esboça um pequeno papo. "Ela vive aqui. Vem todas as noites e fica aí andando pelo aeroporto, cantando e rezando. Depois senta no mesmo local e fica rezando. Dizem que ela é "letrada", que estudou filosofia e outras coisas, mas só quer ficar aqui no aeroporto. Ela e outra que vende livro ficam aqui o tempo inteiro. Parece que não tem lugar para ficar". O lugar delas talvez seja o não lugar dos outros, pensei. As duas mulheres são conhecidadas como as "senhoras do aeroporto". Deram asas ao imprevisível. Humanizaram os instantes.

Para Marcelo, que vive de aeroporto em aeroporto e tem asas para muitos vôos.

9 comments:

Anonymous said...

Eita, dah pra refletir em tanta coisa a partir deste texto PH, mas a primeira coisa que me veio a cabeça foi que vc queria dar uma catracada na beata cantora, kkkkk.
Espero que este blog seja o reflexo do dono dele: um sucesso!!!!
Bjao procê, gostosão.
Luana

Anonymous said...

Pois bem, serei eu a primeira a tecer comentário.PH, através do estuário desaguei aqui. Pra você ver que, fora dos aeroportos, há gente perambulando por aí à procura de viagens.Tudo de bom!Gostei da simplicidade das palavras.Abraço de uma cearense do cariri.Magna.

Anonymous said...

Um texto belo, uma interpretáção interessante do nosso tempo. Também acho que essas mulheres nos salvam. Obrigda a vocë por nos trazer isso.

Anonymous said...

Paulo, gostei muito do seu texto. Principalmente quando vc diz "O lugar delas talvez seja o não lugar dos outros.". Foi interessante vc enunciar esse conceito de não-lugar, o qual, salvo engano, foi estabelecido por Baudrillard, um teórico da comunicação. Lugares como aeroportos, shopping centers, hotéis de grandes cadeias, seriam sítios dissociados de uma história própria, de um processo de evolução social e estética, onde tudo costuma ser padronizado para dar aos usuário desses "lugares" uma sensação de familiaridade e conforto. Infelizmente, nosso mundo ocidental tende cada vez mais para esses não-lugares.O canto da mulher da sua estória estaria, acredito eu, levando uma nota de estranhamento a um ambiente pré-formatado e de controle estrito.Parabéns pelo texto.

Anonymous said...

Ehe Paulo...tu andas observador msm hein????
Pois é...acho q o lugar das duas senhoras pode ser tb o lugar dos funcionários do aeroporto e demais empresas locadas lá...o q acha??? Pense nisso sob os olhares da Geografia...poderíamos dizer q o lugar reflete identidades, pertencimentos, e cotidiano???? Se for assim o aeroporto é lugar pra muita gente.
Fuiiiii...
Rodrigo Borges

Anonymous said...

Oi Paulo Henrique,
adorei seu texto inspirado em ficar aguardando no Aeroporto. Quem me dera ter tanta imaginação e ficou bonito. Inté,
saúde, alegria e paz.

Sãozinha

Anonymous said...

Oi Paulo,

Pois é, o nosso mundo precisa ter um copo d`água pra dar, precisa também de novos olhares, de novos gestos. Ainda bem que podemos contar com esse seu gesto de nos escrever palavras simples e diretas que chegam ao coração, fazendo a ponte-área da emoção!

Um grande abraço,

do Eduardo.

* A gente se vê no hospital, ou quem sabe num Carnaval! Grato pela gentileza em me comunicar da existência de seu blogg. Muito legal!

Anonymous said...

Oi Paulo,

E aí, há quanto tempo! Na 2a feira deixei de ir à piscina, agora começo com os exercícios posturais no hospital. Aliás, já comecei. Passei por aqui para ver se havia algum novo texto de sua lavra poética. Mas, não se obrigue a escrever! Discordo de Carlos Drummond quando ele diz que "Escrever é como quebrar pedras". Não para mim! (Ainda! rs!)

Contudo, acho magistral o poema do itabirano que diz:

"Eu preparo uma canção em que minha mãe se reconheça, todos as mães se reconheçam e que falem como dois olhos...! E por segue...

Quem diria que este poema saiu numa nota de cinco cruzeiros há uns anos atrás!? Com certeza muita gente leu!

Um abraço,

Felicidades!

Eduardo Augusto

Anonymous said...

Li e daí???
haha
Paulo Sérgio