Monday, May 29, 2006


Saindo das padronizações: outros vôos.

Ainda o aeroporto como cenário das minhas crônicas. Como só viajo de avião uma vez aqui, outra acolá, gosto de ficar observando o movimento, vendo diversas pessoas correndo para não perderem os seus vôos, outras tomando cafés, algumas vendo os programas sem graça que paasam nas tvs (às vezes colcocam duas tvs ligadas ao mesmo tempo com programação diferenciada) etc.
Também há um número expressivo de viajantes que se dedicam quase que exclusivamente aos seus celulares, lap tops, revistas, livros, palavras cruzadas, pequenas sacolas etc. Ah, e o barulhinho incessante e repetitivo que acompanham as chamadas "vôo tal, companhia x, blá, blá, blá" .
Os cenários dos aeroportos são desenhados por uma igualdade arquitetônica e frieza nas relações sociais que não se estabelecem de forma plena. A presença das pessoas nos aeroportos, no entanto, produz uma série de possibilidades de encantamento com o mundo, do encontro com o outro, senão vejamos:
Aeroporto internacional de Confins, o maior do estado de Minas Gerais. Por ele passam chefes de estado, artistas, professores, engenheiros, prostitutas, freiras, políticos, empresários e um número incontável de turistas. Parece não haver sentimento nos embarques e desembarques. Um esboço de cópia dos sentimentos é colocado pelas agências de turismo que sempre "estão felizes" com a nossa chegada (a chegada do capital para a capital).
Mas feleicidade mesmo é a despedida com o toque de festa, a chegada com gostinho de saudade duradoura. Os abraços demorados como se não existisse mais ninguém para embarcar e a pouca importãncia dada aos avisos de "última chamada" ou "embarque imediato".
Um amigo iria participar de um congresso em uma capital do Nordeste. O seu embarque foi marcado por um "momento família" singular. A esposa o abraçava, o filho pedia a mesada, a filha distribuia beijos para o pai querido, todos o perguntavam se não estava esquecendo nada, se estava levando o telefone celular, se comprara o protetor solar, etc, etc, etc. Tirar fotos era uma parte da ação coletiva.
Ninguém se preocupva com o tempo do carro no estacionamento ou se a casa onde moravam estava sozinha, pronta para os ladrôes. A família prestigiava o bom pai, marido, esposo e acadêmico. Não era apenas mais um passageiro para embarcar no aeroporto internacional.
O "chec in" foi um "check estamos aqui". A família estava unida, completa e feliz, dessas que não existem muitas hoje.
O simples passageiro para as companhias aéreas tornou-se gente vip (será que existe isso?) para os familiares. Nenhum programa de milhagem dá cobertura tão ampla como a que abrange o carinho familiar.
Embarque feito, o nosso protagonista busca um lugar na aeronave próximo a janela. Para ver melhor as paisagens mineiras? Não, para acenar para os familiares que estavam no terraço do aeroporto acenando e desejando boa viagem. Felizes os que voam menos e vivem mais as possibilidades terrestres.

Para Eliano. Companheiro de viagens e de caminhada acadêmica.

Wednesday, May 24, 2006


Sobre aeronaves, aeroportos e claro, gente.

Quase cinco horas de uma destas madrugadas do mês de maio. Aeroporto de Brasília, capital do nosso país. Uma primeira cena me chamou a atenção: o tal aeroporto estava vazio. Lojas, cafés, pontos de taxi, livrarias, floricultura e banca de revistas fechados. As escadas rolantes estavam, pásmem, paradas (faz tempo que não vejo escadas rolantes paradas, quisá em aeroporto).
O elevador mais parecia um adereço de tão estático que estava, parecia pedir para que alguém o colocasse para entrar em atividade (o que fiz, certamente).
Não havia ninguém em nenhum local. Pensei que estava sonhando ou que havia bebido demais. Brincava com a imaginação e procurava alguém para conversar um pouco, paquerar, pedir informações. Estava difícil de conseguir o intento. Fui ao banheiro...muitos miquitórios, todas as portas dos sanitários abertos, difícil escolher em qual deles entrar. Um passante aqui, outro ali, nenhum passageiro a esperar o vôo. Nada!
Cadê o movimento de Brasília? A madrugada parecia acalmar os ânimos da metrópole associada ao poder político e econômico e mostrava no seu aeroporto, quietude, silêncio e uma certa tranquilidade. Cheguei cedo demais, pensei. Será que o mundo acabou e eu fiquei sozinho em um aeroprto? Cruzes!
Lentamente o terminal de pousos e decolagens do transporte aéreo vai "acordando". Chegam os primeiros funcionários das redes de fast food, cafeterias, do estacionamento e da mautenção/limpeza. O pessoal do atendimento das companhias aéreas ainda não havia "dado sinal de vida", como dizia a minha avó.
De repente, uma música ecoa por boa parte do aeroporto na voz de uma mulher. A voz é forte e a canção entoada com sonoridade. Há pequenas pausas para a declamação de pequenos trechos bíblicos ou orações tradicionais como o pai-nosso e a ave-maria. Isto parece anunciar que agora a cidade acorda, que em poucos minutos os "check-ins", "check-outs", "permissões para pousos e decolagens" e consumo, muito consumo tomarão conta do aeroporto.
Por enquanto, só orações e música . Tenho vontade de me aproximar da beata cantora da madrugada, mas fico apenas no olhar curioso de quem não entendeu o contexto da situação por completo. A explicação vem de um funcionário do estacionamento que acabara de chegar e esboça um pequeno papo. "Ela vive aqui. Vem todas as noites e fica aí andando pelo aeroporto, cantando e rezando. Depois senta no mesmo local e fica rezando. Dizem que ela é "letrada", que estudou filosofia e outras coisas, mas só quer ficar aqui no aeroporto. Ela e outra que vende livro ficam aqui o tempo inteiro. Parece que não tem lugar para ficar". O lugar delas talvez seja o não lugar dos outros, pensei. As duas mulheres são conhecidadas como as "senhoras do aeroporto". Deram asas ao imprevisível. Humanizaram os instantes.

Para Marcelo, que vive de aeroporto em aeroporto e tem asas para muitos vôos.